A Constituição Federal brasileira, em seu preâmbulo, anuncia a promulgação da norma máxima do país “sob a proteção de Deus”, ao tempo em que diz que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, uma espécie de contradição consentida por nossa legislação, que anuncia a complexidade das relações envolvendo a religiosidade na sociedade brasileira. A nós, que discutimos polícia e segurança pública, interessa saber o seguinte: como a orientação religiosa do policial influencia sua atuação?
“Não deve influenciar”, dirá certamente a maioria. De fato, ao estabelecer procedimentos e limites à atuação policial, admite-se que questões de foro íntimo, como as crenças que cada um possui, devem ser recolhidas a sua individualidade, principalmente ao lidar com o cidadão na rua. Entretanto, existem problemas que se apresentam neste contexto, pois as religiões, além de admitir a existência de determinados entes, posiciona seus membros em um campo ético-moral específico, em poucas palavras, ensina-lhes o que é certo e o que é errado.
Para que o leitor entenda o tamanho do problema que se apresenta aqui, sugerimos analisar alguns casos abstratos, mas não impossíveis de acontecer:
1. Um policial recebe um chamado em determinada localidade, onde supostamente está havendo perturbação do sossego alheio. Lá chegando, encontra o denunciante que alega estar incomodado com o barulho dos clamores de um culto realizado em determinada igreja. O comandante da guarnição é da mesma orientação religiosa em questão, e o chefe da igreja diz que não irá atrapalhar seu culto;
2. Um sacerdote de dada religião, ao encontrar um adepto de outra seita religiosa realizando um tipo de prática da sua crença, resolve agredir fisicamente este último, alegando retirar-lhe do corpo alguma entidade maligna. O policial que atende à ocorrência conhece o sacerdote, que é seu chefe religioso.
3. Policiais adeptos da prática de extermínio resolvem matar determinado traficante, na guarnição, porém, existe um policial religioso que se recusa a participar do crime.
4. Um grupo de policiais é designado para realizar o policiamento em um evento de determinada orientação religiosa, que, para parte destes policiais, é uma seita maligna, conforme apreensão de suas religiões.
5. Policiais sem religião recebem a determinação para representarem sua instituição policial em determinado evento social religioso. Em dado momento do evento, porém, todos são convocados a realizar uma reza/costume daquela religião – da qual os policiais não são adeptos.
Como se vê, existem casos em que aspectos da religiosidade podem influenciar na decisão tomada pelo policial (para o bem ou para o mal da legalidade). Antecipadamente é preciso refletir e exercitar posicionamentos compatíveis com o que se espera do profissionalismo policial, lembrando sempre que é preciso ser impessoal em qualquer ocorrência – quando possível, vale até mesmo delegar a situação a outro policial que não tenha ligações religiosas com o caso a ser resolvido.
Não se pode ser omisso em virtude de simpatia religiosa, tampouco se exceder porque determinado cidadão não comunga de suas crenças (ou descrenças). Se a religião é orientada à prática do bem, deverá respeitar o que é legal, humano, cidadão, embora não precise ser religioso o policial que pratica esses valores. Nesta discussão, tolerância e imparcialidade são palavras de ordem.
Por Danillo Ferreira
Fonte: Blog Abordagem Policial
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postagens populares
-
O governador precisa fazer concurso público para PM Alguém precisa convencer o governador Marcelo Déda (PT) sobre a necessidade de realiza...
-
Lei Nº 2.066 de 23 de dezembro de 1976 Dispõe sobre o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Sergipe e dá outras providências. h...
-
Com o início da sessão legislativa na próxima semana, diversas categorias profissionais se mobilizam para garantir a votação pelos congressi...
-
Fachada da sede da Aspra Sergipe no Orlando Dantas (Foto: Arquivo Aspra) A diretoria da Aspra Sergipe comunica a todos os seus associa...
-
Se por aqui, um agente da Polícia Federal em início de carreira recebe pouco mais de 9 mil reais por mês, nos Estados Unidos, um agente...
-
Serão divulgadas na próxima quarta-feira, 12, as notas das provas objetivas do Concurso Público para soldado da Polícia Militar de Sergipe ...
-
Audiência pública extrajudicial realizada pelo MP de Estância Na manhã desta quinta, dia 11, às 9 horas,o conselheiro da OAB/SE e asses...
-
Presidentes assinam termo que consolida a parceria entre as entidades Os presidentes da Asprase, sargento Anderson Araújo, e da Asso...
-
Foi realizado na manhã desta sexta-feira, 31 no Fórum Gumersindo Bessa, o julgamento do cabo PM Luiz Fernando Porto Lemos. Ele respond...
-
Nesta quarta-feira, 23, o deputado Capitão Samuel recebeu, em seu gabinete, uma Comissão de Policiais Militares Aposentados. Na oportun...
Nenhum comentário:
Postar um comentário