A Justiça Militar é o ramo mais
desconhecido do Poder Judiciário brasileiro. A legislação dificilmente é
estudada nas Faculdades de Direito. Não é raro o estudante formar-se
sem ter a menor noção de sua história, competência e importância.
A Justiça Militar divide-se em Federal e
Estadual. Aquela tem por finalidade apurar os ilícitos penais atribuídos
aos integrantes das Forças Armadas, com base no Código Penal Militar
(Decreto-Lei 1001/69). Esta tem o mesmo objetivo, todavia, direcionado
aos membros da Polícia Militar dos Estados. O processo dos crimes
militares é regulado pelo Decreto-lei 1.002/69.
A competência da Justiça Militar Federal está na Constituição Federal, artigos 122 a 124,
e a da Estadual, nas respectivas Constituições ou Leis Estaduais.
Consiste, basicamente, em “processar e julgar os crimes militares
definidos em lei” (CF, artigo 124). Seus juízes recebem o mesmo que os
seus colegas de igual hierarquia, na Justiça Federal ou Estadual,
conforme o caso. Os Juízes Militares sujeitam-se aos mesmos direitos e
deveres dos demais magistrados, expressos na CF, artigo 93, na LC 35/79,
Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na Lei de Organização Judiciária
da Justiça Militar Federal (8.457/02) e, para a Justiça Militar
Estadual, nas leis estaduais respectivas.
Do ponto de vista histórico, a JM tem no
Superior Tribunal Militar (STM) o mais antigo Tribunal do Brasil, criado
que foi “em 1º de abril de 1808, pelo Príncipe-Regente D. João VI, com a
denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Com o advento da
República, passou a chamar-se Supremo Tribunal Militar e mais tarde, a
Constituição de 1946 consagrou o nome atual: Superior Tribunal Militar” (www.stm.jus.br).
Vejamos a estrutura da Justiça Militar Federal. O STM conta com 15 Ministros,
dos quais 10 Oficiais-Generais das Forças Armadas e cinco civis, sendo
que destes apenas um é juiz auditor. Como se vê, os juízes de carreira
não foram prestigiados pela Constituição. O Corregedor da Justiça
Militar não é um Ministro, mas sim um Juiz de primeira instância que
atua na chamada “Auditoria de Correição”.
Na primeira instância existem 10
Circunscrições Judiciárias, sendo a mais antiga a do Rio de Janeiro, que
abrange os estados do RJ e ES e conta com quatro auditorias militares.
Elas são sempre localizadas nas capitais dos Estados, exceto no Rio
Grande do Sul, onde há uma Auditoria em Porto Alegre, uma em Bagé e
outra em Santa Maria.
O julgamento nas Auditorias é colegiado e
não individual. É exercido pelos chamados Conselhos Especiais e
Permanentes de Justiça, compostos por um juiz auditor e quatro oficiais
das Forças Armadas, sendo presididos pelo oficial de posto mais elevado.
O movimento de ações na JMF é sabidamente
pequeno, se comparado às Varas da Justiça Federal e Estadual. Contudo,
salvo melhor juízo, não foram colocados no site do Conselho Nacional de
Justiça, no setor de estatísticas, “Justiça em Números” (www.cnj.jus.br),
o que vai contra o princípio da transparência. No entanto, em 13 de
maio o Senado aprovou o PL 12/10, que cria mais 132 cargos na Justiça
Militar da União.
A JMF viveu, no tempo do regime militar,
período de enorme relevância, pois a ela cabia processar e julgar os que
eram denunciados por crime contra a segurança nacional. As auditorias
julgavam os presos políticos com severidade. Na época, o STM teve um
papel importante ao atenuar e adequar as graves penas que eram impostas.
A Justiça Militar dos Estados tem
previsão no artigo 125, parágrafo 4º da CF, cabendo-lhe “processar e
julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e
as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal
competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças”.
Na segunda instância poderão ser criados
Tribunais de Justiça Militar Estaduais. Todavia, apenas MG, SP e RS
valeram-se deste permissivo, sendo que nos demais estados os julgamentos
são feitos pelo Tribunal de Justiça. O CNJ promoveu em dezembro de 2008
uma correição no TJM do RS, tendo constatado morosidade nos julgamentos
e falta de transparência na distribuição (http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8346&Itemid=1016).
A competência da Justiça Militar tem
gerado inúmeras dúvidas. O STJ editou várias Súmulas, visando definir as
atribuições. Por exemplo, cabe à Justiça Estadual julgar acidente de
trânsito envolvendo PMs, exceto se autor e vítima estiverem em atividade
(Súmula 6), PM que promova ou facilite fuga de preso (Súmula 75) e por
abuso de autoridade (Súmula 172). Por sua vez, reconhece-se a
competência da JME para os casos de PM praticar crime contra civil
usando arma da corporação (Súmula 47) e PM que tenha praticado o crime
militar em outra unidade da Federação (Súmula 78). No caso de crimes
conexos, entre PM e Policial Civil, caberá à JME julgar o PM e à JE
julgar o civil (Súmula 90).
Na Constituição de 1988 houve um
movimento forte pela extinção da Justiça Militar dos Estados, sem
sucesso. Atualmente o tema saiu da pauta de discussões, mas o Promotor
de Justiça gaúcho, João Barcelos de Souza Júnior, formulou críticas
sérias à atuação da Justiça Militar Estadual (http://magrs.net/?p=592).
Cumpre registrar, ainda, que há
peculiaridades da Justiça Militar que estão inadequadas à Constituição
Federal e à própria época em que vivemos. Por exemplo, o artigo 105 do
Cód. Penal Militar prevê a perda do pátrio poder daquele que for
condenado a mais de dois anos de prisão. Assim, quem passar cheque sem
fundos (artigo 313), cuja pena pode ser de até cinco anos, poderá perder
o pátrio poder. O artigo 235 pune a pederastia ou outro ato de
libidinagem com seis meses a um ano de detenção.
Na Argentina a Justiça Militar foi
extinta pela Lei 26.394 de 2008, que revogou o antigo Código de Justiça
Militar, do ano de 1951. Os crimes militares foram introduzidos no
Código Penal e o processamento é o normal do Código de Processo Penal.
Discutir, analisar e divulgar a Justiça
Militar é sempre oportuno, não apenas pelos estudantes de Direito que
precisam conhecer este ramo do Poder Judiciário, mas por toda sociedade
brasileira que, no regime democrático em que vivemos, deve estudá-la com
maturidade e isenção.
Vladimir
Passos de Freitas é desembargador Federal aposentado do TRF 4ª Região,
onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Fonte: Site Conjur – Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/)
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