sábado, 10 de abril de 2010

Trabalhar brincando

Autor - José Ricardo
Retirado do Blog "Universo Policial"
Texto: Trabalhar brincando


Dias desses, estava eu, meu sogro e meu Tio Ginin conversando. Meu tio falava sobre sua vida profissional. Ele nos contava que trabalhou quatro anos na Usina de Ana Florência, dois anos numa mineradora, trinta e dois anos na GE e já estava há sete anos na Data Engenharia. Como você deve ter percebido, ele tem uma longa carreira, muito mais de trinta anos de labuta, e continua trabalhando, e não fala em se aposentar (de fato).

Seus filhos já estão crescidos. Não trabalha apenas pelo dinheiro; já está aposentado (de direito) há muito tempo. Ele trabalha porque o serviço que ele faz é para ele como uma brincadeira. Assim ele próprio nos afirmou. Falou que se sente como um menino brincando. Quando eu entrei na PM, também me sentia como um menino brincado de super-herói.


Mas, infelizmente, hoje apenas faço "nada mais do que minha obrigação", pensando em voltar vivo para casa. Gostaria muito de trabalhar brincando, mas talvez eu tenha escolhido a profissão errada.


Meu avô, meu pai, meus tios, quase todos trabalharam ou trabalham na área industrial, no ramo da mecânica, eletricidade, usinagem e calderaria. De uma forma ou de outra, trabalham construindo, consertando, reformando... Enfim, trabalham diretamente com raciocínio lógico.


Eu até cheguei a fazer um curso pelo Senai de Mecânica Geral, no qual aprendi o básico de tornearia, ajustagem e usinagem em máquinas operatrizes CNC. Eu amei o curso, mas, naquela época, minha visão de "vencer na vida" era muito restrita ao lado financeiro. Achava que naquela profissão eu não iria receber o tanto que gostaria.


Comecei a cursar Ciências Contábeis e, dentro de pouco tempo, também me desiludi. Com 18/19 anos, achava que não aguentaria passar trinta anos sentado numa cadeira. Com o espírito juvenil, eu queria aventura, adrenalina. Em busca de ação, acabei ingressando na Polícia Militar.


Os primeiros anos na caserna foram de paixão pela atividade policial (claro que minha mente que sempre busca uma lógica não conseguiu encontrar nenhum sentido nos treinamentos sem sentido, bem como no ilógico fato de uma instituição militar que deveria ser civil).


Sem dúvidas que as duas contraindicações no exame psicológico do CFO jogaram um balde de água fria na minha motivação pela carreira. Todavia não foi só isso. Aliado a essas duas grandes frustrações, teve também o fato de eu não ter mais autonomia, de eu não poder mais pensar e decidir. Eu já saia para as ruas com um cartão programa a cumprir, tendo que fazer X operações em locais e horários já preestabelecidos. Sem poder pensar, tirar minhas próprias conclusões sobre onde a viatura deveria estar e o que minha guarnição deveria fazer, o serviço não teve mais graça para mim. Tudo ficou muito mecânico. Senti-me como um robô, uma máquina.


Em 2009, estando de férias, fui determinado a trabalhar na administração, onde ainda estou lotado. O choque foi grande. Larguei um curso superior porque não queria ficar atrás de uma mesa, e onde fui parar...? Como diz uma música católica, o mundo dá muitas voltas...


E nessas voltas da vida, acabei descobrindo minha vocação. Serviço administrativo? Não, pelo menos não necessariamente.


Em busca de uma forma de otimizar determinado serviço burocrático da seção, aprofundei meus estudos em Excel. Baixando apostilas da internet, fui aprendendo por conta própria, em casa, os recursos avançados desse poderoso aplicativo. Sempre em busca de melhorias, "de uma melhor forma de fazer", agora estou inclusive aprendendo o básico de VBA, um tipo de programação no Windows. Estou gostando tanto que parece até uma brincadeira. Como os leitores mais assíduos deste blog devem ter percebido, o Universo Policial anda até meio desatualizado. É que, em vez de atualizá-lo, eu fico aqui raciocinando essa linguagem de programação, tentando juntar esse "quebra-cabeça".


O negócio é que acabei descobrindo minha vocação genética. Nasci para pensar, amo o raciocínio lógico, problemas complicados, busca de soluções. Gosto de quebra-cabeças, construir, consertar, reformar... É de família. Não adianta lutar contra a natureza. Não nasci para ser máquina, para ser robô. Odeio cumprir ordens burras, sem sentido, na contramão da lógica.


Pena que demorei a encontrar minha aptidão profissional. E pena que agora, com apenas 27 anos, já me sinto tão cansado. Vou ter que encontrar forças (e dinheiro) para mudar a direção da minha vida, estudar três ou quatro anos (e mais o resto da vida me aperfeiçoando), trocar de emprego e ser feliz. Talvez eu faça como meu tio Ginin, meus pais e alguns dos meus tios e continue trabalhando mesmo depois de aposentado, pois na verdade não será um trabalho, mas sim uma diversão, uma brincadeira. Vou sentir alegria em ir para o serviço e, lá chegando, ter prazer em raciocinar, buscar soluções, encontrar o problema, solucioná-lo. Seja colocando a mão na graxa, seja desenvolvendo projetos de engenharia ou atrás de uma tela de computador programando, nasci para pensar, criar. Não sou apenas uma máquina que executa ordens ou comandos.


Que Deus me ajude a mudar o rumo de minha. E que um dia eu possa trabalhar brincado.


"Se a experiência nos ensina que a profissão que desempenhamos atualmente não é aquela para a qual nascemos, não devemos insistir nela. Se um homem não prospera nos seus negócios, apesar da persevarança no esforço durante um certo tempo, isso constitui prova de que não está no seu lugar."


"Cada pessoa, cada ser humano, tem o seu lugar indicado no concerto das atividades humanas e aquele que se achar desgostoso e impotente no lugar onde se encontra deve buscar logo um lugar que melhor lhe convenha e melhor se ajuste às suas aptidões naturais. O homem pode empreender qualquer tarefa, virar-se para o lado que quiser, mas um dia será forçado a trilhar o caminho que para ele a natureza traçou."


"O homem ansioso de vencer deve dedicar-se inteiramente à sua profissão, procurando continuamente aperfeiçoar-se nela. Poucas esperanças de prosperidade e fortuna podem caber àqueles que desperdiçam tempo e energias em ocupações provisórias, ao invés de se deterem na profissão mais de acordo com suas aptidões naturais. Aprender a fazer uma só coisa com a mais absoluta perfeição e no menor tempo - eis uma das chances de êxito em qualquer profissão"


"Quando o homem encontra o seu justo meio no mecanismo social, ainda que tardiamente, caminha rapidamente pela estrada do sucesso."


* Trechos do livro Direção e Liderança, do Prof. Alberto Montalvão.

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