sexta-feira, 18 de junho de 2010

Punições disciplinares desmotivam militares

Presidente da Asprase faz visita ao sargento Vieira no QCG

Na manhã desta terça-feira, 15, teve início o cumprimento da punição disciplinar imposta ao sargento da Polícia Militar, Jorge Vieira da Cruz, gestor da Associação Beneficente dos Servidores Militares de Sergipe (ABSMSE). Vieira foi punido pelo Comandante Geral da PM, coronel José Carlos Pedroso, por conta de declarações e críticas feitas através da imprensa local relacionadas à Polícia Militar, o que foi entendido como transgressão disciplinar ao final do procedimento de apuração.

Vieira passará cinco dias detido no Quartel do Comando Geral (QCG), na Rua Itabaiana, de onde deverá sair no próximo domingo. O sargento chegou ao QCG na manhã da terça-feira acompanhado por colegas de farda, amigos e pela sua esposa, Gleide Rosa Cruz, que chorou muito e se mostrou indignada com a atitude do Comandante Geral. Muitas foram as manifestações de apoio ao sargento e as críticas à punição imposta pelo Comando da PM ao representante da ABSMSE.

Na quinta-feira pela manhã o presidente da Asprase visitou o sargento Vieira no QCG. Ele e o sargento Prado intercederam pelo colega junto ao Subcomandante, a fim de que Vieira fosse autorizado a se deslocar para realizar um tratamento odontológico que já havia sido previamente agendado para a tarde de ontem, bem como para assistir aula no período noturno. Infelizmente não houve sucesso e o pedido não foi atendido pelo Comando.

A punição ao sargento Vieira é mais uma entre tantas outras impostas a policiais militares, consequência das leis e regulamentos arcaicos que regem estes servidores, sendo muitos destes diplomas originários do período da ditadura militar, impondo deveres e restringindo direitos, entre eles o da livre manifestação do pensamento e a própria liberdade.

O que torna a punição a Vieira emblemática é justamente o fato de o sargento ser gestor de uma das associações representativas dos policiais e bombeiros militares, tendo sido também um dos principais líderes do movimento Tolerância Zero, desencadeado o ano passado pelos militares, que lutavam por melhoria salarial, além de outros direitos. O movimento resultou em uma melhoria salarial significativa para a classe, que graças a essa luta está hoje entre as mais bem pagas do Brasil em comparação com as corporações de outros estados.

Que a hierarquia, a disciplina e o respeito precisam ser mantidos na PM não há dúvidas, da mesma forma que tem de ser mantidos em qualquer outra organização. O grande problema é a forma como se disciplinam as coisas e as pessoas no meio militar. Em Sergipe ainda não há sequer um Regulamento Disciplinar próprio para os militares estaduais, o que leva PM a utilizar o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), uma instituição que tem uma missão completamente distinta da missão policial.

Para piorar, às vezes nos deparamos com situações esdrúxulas, que nos fazem pensar por que se usam dois pesos e duas medidas em determinadas situações. Por exemplo, a Asprase recentemente encaminhou ao Comando da Polícia Militar um ofício em que mostrou claramente que uma determinação publicada no Boletim Geral Ostensivo da PM, estabelecendo que o militar que faltar ao serviço por dispensa médica deve se apresentar para o expediente no dia seguinte ao fim da dispensa, contraria o que diz a Lei Estadual nº 2.066/76 (Estatuto dos Policiais Militares). Trocando em miúdos, a determinação é ilegal.

No entanto, já houve policial militar punido disciplinarmente por esse motivo. Em conversa com o Subcomandante da PM, coronel Santiago, o presidente da Asprase, sargento Araújo, foi informado pelo oficial que a situação será analisada. Espera-se que o resultado dessa análise seja o atendimento do pleito da Asprase, que é a revogação desta determinação. Quanto a quem já foi punido por esse motivo, a Assessoria Jurídica da Asprase estará à disposição para analisar cada caso e orientar os interessados.

Outra situação que tem gerado inúmeras reclamações dos militares está relacionada às escalas extraordinárias para o policiamento em eventos, onde nem sempre a prestação do serviço é voluntária. Se faltar ao serviço e não cumprir a escala, o policial fica passível de punição, podendo ficar detido. Por outro lado, se cumprir corretamente a sua escala, fazendo jus à Gratificação por Eventos Extraordinários (GRAE), o militar terá de esperar para receber a gratificação sem a certeza de que ela será paga no mês subsequente, como devido.

E a Justiça? Esta também tem dado sua contribuição para a insatisfação e indignação de muitos militares. Muitos policiais militares que cumprem pena judicial em regime aberto estão tendo que pernoitar diariamente no Presídio Militar (Presmil), bem como ficar recolhidos no Presmil nos fins de semana e feriados. Estas são algumas das condicionantes impostas para que se cumpra a pena nesse regime. Daí se pergunta: finalmente o regime é aberto ou semi-aberto? Conclusão, para o militar nem tudo que parece é.

É por conta desses e de tantos outros problemas que as discussões sobre a desmilitarização ganham força a cada dia junto aos militares e à sociedade civil organizada. É por essas e outras que muitas vezes são feitos questionamentos pelas associações através de seus representantes. Obviamente deve haver o respeito mútuo entre os representantes das associações, da Polícia Militar e demais autoridades, e dentro dessa linha de respeito devem ser discutidos os problemas apontados em busca de suas soluções. O que não se pode é tolher o direito das associações, pessoas jurídicas de direito privado, de exercer o seu papel e defender os interesses coletivos da classe.

É público e notório que o pensamento do Comandante Geral da PM, coronel Pedroso, é de que somente o Comandante representa legalmente a classe. Para a maioria dos representantes das associações, no entanto, o Comandante Geral é sim o legítimo representante da instituição Polícia Militar e é quem deve falar pela corporação. Quanto à representação da classe, há controvérsias, já que nem sempre os interesses da instituição seguem na mesma direção dos interesses da classe.

Cabe às associações e à própria classe continuar na luta contra as injustiças e pelas conquistas que ainda não foram alcançadas, entre elas a modernização da legislação militar, em especial as normas disciplinadoras e punitivas, adequando as leis e regulamentos vigentes aos princípios e mandamentos previstos em nossa Carta Magna, e que regem um Estado Democrático de Direito.

É inegável que a instituição necessita de normas que regulem as ações de seus servidores, e que aqueles que fogem à regra devem sofrer algum tipo de sanção. O que se defende é que sejam adotadas outras formas de punição, principalmente as administrativas, que não a restrição da liberdade, exceto para os casos de crime grave conforme dispuser a lei.

É preciso que os militares deixem de ser vistos como meros agentes do Estado e passem a ser vistos como cidadãos, conquistando os direitos que hoje lhes são negados e tendo todos os seus direitos respeitados.

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