Herbert Gonçalves Espuny - São Paulo(SP) - 30/11/2008
Muito se discute a respeito da unificação das polícias civil e militar no Brasil, contudo muito se omite desta discussão. Os interessados, de parte a parte, calibram no discurso das deficiências do outro, mas fecham os olhos - ou racionalizam ao desfilar um sem número de razões - para os próprios problemas. Esta atitude provavelmente fará com que resultados práticos só sejam obtidos depois de um longo tempo. Mas, nada impede que, num exercício de reflexão, algumas possibilidades sejam vislumbradas.
A polícia civil em geral é acusada de ineficiente, pouco investiga e o esclarecimento de crimes é pequeno. Por outro lado, a polícia militar também não tem obtido sucesso na prevenção de crimes, haja vista o número de ocorrências nos grandes centros. Mil e uma razões cada uma das partes atribui à problemática, as desculpas proliferam de parte a parte. Mas, algumas coisas não podem ser simplesmente esquecidas:
1) CICLO COMPLETO DE POLÍCIA: É defendido por alguns teóricos como uma saída para o problema da Segurança Pública. Mas outros questionam que, se a Polícia Militar não dá conta de suas próprias atribuições constitucionais por que querer fazer mais? Por que querer para si maiores atribuições? O mesmo pode ser aplicado à Polícia Civil. Se tantos crimes não são efetivamente esclarecidos o que pensar de acrescentar às atribuições, maiores responsabilidades? Apesar de opiniões ilustres contrárias, as culturas destes organismos policiais são completamente diferentes. Como formar um bom investigador daquele que sempre se utilizou de farda, faz policiamento preventivo e enxerga a Segurança Pública com os preceitos da Polícia Comunitária e da ordem pública? Como infiltrar um policial destes em redutos de criminosos sem que se traia com gestos, posturas e vocabulário? Como fazer tal policial trabalhar muitas vezes sozinho, se está acostumado com noções de trabalho em equipe, ocupação de espaços, ronda e cerco policial? Será que os nossos "pensadores" analisam tais aspectos? Por outro lado, como colocar uma farda num investigador de polícia de carreira, cuja característica básica é a independência de raciocínio, muitas vezes falta de observação de horários (não raro trabalham dias seguidos, caso do pessoal do Anti-Sequestro, cuja equipe só é desmobilizada com a solução do caso), desenvolvimento de critérios próprios de atuação (pois, conforme o caso e a situação está absolutamente sozinho)? São culturas organizacionais diferentes, baseadas em princípios diferentes e, no entanto, ambas servem às comunidades e às políticas de segurança pública. Não adianta ter um ótimo patrulhamento preventivo, se não houver bons investigadores de crimes. A recíproca é verdadeira.
2) REFORMULAÇÃO DAS POLÍCIAS: Talvez uma verdadeira reformulação passe por perdas a ambas as instituições. É inegável a tendência do policiamento comunitário. Apesar dos esforços das polícias civil e militar neste sentido, parece que uma atividade realmente comunitária deve passar por estruturas controladas pelo âmbito municipal. É no município que o cidadão realmente supre as suas necessidades de abrigo e segurança. É no município que ele trabalha e busca assistência médica. É no município que se estabelecem a maioria das relações pessoais. Talvez o conhecimento de cada área, de forma abrangente, e a compreensão de suas necessidades específicas, passem pelo estímulo a uma Guarda Municipal mais comprometida com um primeiro atendimento às emergências do cidadão. Vários trabalhos já demonstraram que boa parte do atendimento policial, seja civil ou militar, está relacionado com motivações extrapoliciais. É o encaminhamento a um hospital, é o equacionamento de um problema social, é o encaminhamento a um setor de proteção a menores. São ocorrências que talvez exijam competências específicas, muitas vezes não relacionadas ao combate direto da criminalidade e a um treinamento mais dirigido. Em que pesem os diversos cursos nas academias de polícia -tanto civil, como militar -de primeiros socorros, policiamento comunitário e bom atendimento ao cidadão, ainda assim, é possível pensar em guardas civis com vocação e habilidade apropriados a tais tarefas. E aqui é necessário um certo esforço para não evocar velhos argumentos que parecem tão somente apropriados para manter uma certa "reserva" de mercado. As polícias civil e militar devem continuar cumprindo seus papéis constitucionais no que melhor as mesmas são vocacionadas: a civil, como polícia judiciária, incumbida do inquérito policial, da investigação policial e das atividades cartorárias que lhe são pertinentes; a militar, através de rondas táticas e especializadas para a efetiva prevenção do crime, de tropas especializadas tais como o Choque, para a manutenção da ordem pública. Talvez seja necessário pensar numa redução de níveis hierárquicos em ambas as polícias, como forma de diminuir custos e aumentar a eficiência e a eficácia (afinal, tais princípios funcionam em organizações de todo o tipo, por que não funcionariam com as polícias?);
3) QUALIDADE NAS POLÍCIAS. Talvez um outro passo fosse a implantação de programas de qualidade nas polícias. Programas sérios, baseados em parâmetros internacionais. Qualidade, apesar das múltiplas definições, quando aplicada na dinâmica das organizações tem a haver com processos. Os processos são as únicas variáveis quantificáveis num programa de qualidade. Esta quantificação permite auditorias objetivas, que dão -por exemplo -frutos como a certificação da ISO-9000. O estabelecimento de programas de qualidade comprometidos com as novas políticas públicas -para as duas polícias -seria um passo importante para as mesmas começarem a falar a mesma língua. Após estas providências, uma cultura organizacional de eficiência e eficácia, pautada no atendimento aos clientes externos e internos, numa crescente valorização do policial e de sua função talvez florescesse naturalmente.
4) CARREIRA ESTRUTURADA: O policial precisa de uma carreira estruturada. Ele pode até ganhar pouco, mas se ele souber que depois de - por exemplo - dez anos de atividade ele passará a ganhar bem mais, se nunca tiver tido punições, possivelmente teremos mais policiais comprometidos e disciplinados. Com alguma exceção para oficiais da PM, as demais carreiras não permitem evoluções consideráveis ou um aumento salarial realmente competitivo e atraente. O policial também é um funcionário. Deve ser tratado, também, com as modernas políticas de recursos humanos. Se há necessidade de se adequar a legislação para isso, é providência que deve ser tomada sem mais demora. Deve-se premiar o bom policial: aquele que não é corrupto, nem violento. Ele deve saber que se trabalhar dez, quinze ou vinte anos de maneira disciplinada, cumprindo com suas obrigações de forma eficiente e eficaz, terá uma condição adequada para sustentar sua família ou viver condignamente sua aposentadoria. Este estímulo poderia ser estabelecido na forma de aumento salarial, com exercício num cargo de chefia -por exemplo. A forma como isto poderia se materializar depende de vários fatores, como legislação, possibilidade financeira e outras vertentes. Mas, que a sociedade deve pensar nisto é evidente.
Finalmente, após estas providências já se teria o terreno adequado para a integração das polícias. Tanto a civil como a militar estariam falando línguas parecidas, pautadas em programas efetivos de qualidade, com políticas de valorização e reconhecimento profissional. Aqueles que são naturalmente vocacionados para a investigação certamente continuariam exercendo tal atividade; da mesma forma, os que preferissem -fardados -intervir em situações de ordem pública, também seriam mantidos assim. Porém, além da formação específica de cada área tais policiais também estariam aprendendo a linguagem de gestão estratégica, de planejamento, de elaboração de processos visando a organização moderna, como conseqüência dos programas de qualidade. Isto faria a diferença na integração, pois não estariam em jogo tão somente valores tradicionais tão cultuados nas diferentes instituições. Estariam também atuando, valores organizacionais novos, apreendidos com a gestão da qualidade. Poderia funcionar. A este quadro poderia ser tentada uma abrangência ainda maior na integração, com as diversas guardas municipais.
Contudo, ao analisar-se as diferenças inter-regionais no que se refere às questões políticas e econômicas e as diversidades das atuais polícias, muitas das soluções possíveis tornam-se quase impossíveis. E as dificuldades aqui apontadas levarão um longo tempo até serem superadas.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Muito se discute a respeito da unificação das polícias civil e militar no Brasil, contudo muito se omite desta discussão. Os interessados, de parte a parte, calibram no discurso das deficiências do outro, mas fecham os olhos - ou racionalizam ao desfilar um sem número de razões - para os próprios problemas. Esta atitude provavelmente fará com que resultados práticos só sejam obtidos depois de um longo tempo. Mas, nada impede que, num exercício de reflexão, algumas possibilidades sejam vislumbradas.
A polícia civil em geral é acusada de ineficiente, pouco investiga e o esclarecimento de crimes é pequeno. Por outro lado, a polícia militar também não tem obtido sucesso na prevenção de crimes, haja vista o número de ocorrências nos grandes centros. Mil e uma razões cada uma das partes atribui à problemática, as desculpas proliferam de parte a parte. Mas, algumas coisas não podem ser simplesmente esquecidas:
1) CICLO COMPLETO DE POLÍCIA: É defendido por alguns teóricos como uma saída para o problema da Segurança Pública. Mas outros questionam que, se a Polícia Militar não dá conta de suas próprias atribuições constitucionais por que querer fazer mais? Por que querer para si maiores atribuições? O mesmo pode ser aplicado à Polícia Civil. Se tantos crimes não são efetivamente esclarecidos o que pensar de acrescentar às atribuições, maiores responsabilidades? Apesar de opiniões ilustres contrárias, as culturas destes organismos policiais são completamente diferentes. Como formar um bom investigador daquele que sempre se utilizou de farda, faz policiamento preventivo e enxerga a Segurança Pública com os preceitos da Polícia Comunitária e da ordem pública? Como infiltrar um policial destes em redutos de criminosos sem que se traia com gestos, posturas e vocabulário? Como fazer tal policial trabalhar muitas vezes sozinho, se está acostumado com noções de trabalho em equipe, ocupação de espaços, ronda e cerco policial? Será que os nossos "pensadores" analisam tais aspectos? Por outro lado, como colocar uma farda num investigador de polícia de carreira, cuja característica básica é a independência de raciocínio, muitas vezes falta de observação de horários (não raro trabalham dias seguidos, caso do pessoal do Anti-Sequestro, cuja equipe só é desmobilizada com a solução do caso), desenvolvimento de critérios próprios de atuação (pois, conforme o caso e a situação está absolutamente sozinho)? São culturas organizacionais diferentes, baseadas em princípios diferentes e, no entanto, ambas servem às comunidades e às políticas de segurança pública. Não adianta ter um ótimo patrulhamento preventivo, se não houver bons investigadores de crimes. A recíproca é verdadeira.
2) REFORMULAÇÃO DAS POLÍCIAS: Talvez uma verdadeira reformulação passe por perdas a ambas as instituições. É inegável a tendência do policiamento comunitário. Apesar dos esforços das polícias civil e militar neste sentido, parece que uma atividade realmente comunitária deve passar por estruturas controladas pelo âmbito municipal. É no município que o cidadão realmente supre as suas necessidades de abrigo e segurança. É no município que ele trabalha e busca assistência médica. É no município que se estabelecem a maioria das relações pessoais. Talvez o conhecimento de cada área, de forma abrangente, e a compreensão de suas necessidades específicas, passem pelo estímulo a uma Guarda Municipal mais comprometida com um primeiro atendimento às emergências do cidadão. Vários trabalhos já demonstraram que boa parte do atendimento policial, seja civil ou militar, está relacionado com motivações extrapoliciais. É o encaminhamento a um hospital, é o equacionamento de um problema social, é o encaminhamento a um setor de proteção a menores. São ocorrências que talvez exijam competências específicas, muitas vezes não relacionadas ao combate direto da criminalidade e a um treinamento mais dirigido. Em que pesem os diversos cursos nas academias de polícia -tanto civil, como militar -de primeiros socorros, policiamento comunitário e bom atendimento ao cidadão, ainda assim, é possível pensar em guardas civis com vocação e habilidade apropriados a tais tarefas. E aqui é necessário um certo esforço para não evocar velhos argumentos que parecem tão somente apropriados para manter uma certa "reserva" de mercado. As polícias civil e militar devem continuar cumprindo seus papéis constitucionais no que melhor as mesmas são vocacionadas: a civil, como polícia judiciária, incumbida do inquérito policial, da investigação policial e das atividades cartorárias que lhe são pertinentes; a militar, através de rondas táticas e especializadas para a efetiva prevenção do crime, de tropas especializadas tais como o Choque, para a manutenção da ordem pública. Talvez seja necessário pensar numa redução de níveis hierárquicos em ambas as polícias, como forma de diminuir custos e aumentar a eficiência e a eficácia (afinal, tais princípios funcionam em organizações de todo o tipo, por que não funcionariam com as polícias?);
3) QUALIDADE NAS POLÍCIAS. Talvez um outro passo fosse a implantação de programas de qualidade nas polícias. Programas sérios, baseados em parâmetros internacionais. Qualidade, apesar das múltiplas definições, quando aplicada na dinâmica das organizações tem a haver com processos. Os processos são as únicas variáveis quantificáveis num programa de qualidade. Esta quantificação permite auditorias objetivas, que dão -por exemplo -frutos como a certificação da ISO-9000. O estabelecimento de programas de qualidade comprometidos com as novas políticas públicas -para as duas polícias -seria um passo importante para as mesmas começarem a falar a mesma língua. Após estas providências, uma cultura organizacional de eficiência e eficácia, pautada no atendimento aos clientes externos e internos, numa crescente valorização do policial e de sua função talvez florescesse naturalmente.
4) CARREIRA ESTRUTURADA: O policial precisa de uma carreira estruturada. Ele pode até ganhar pouco, mas se ele souber que depois de - por exemplo - dez anos de atividade ele passará a ganhar bem mais, se nunca tiver tido punições, possivelmente teremos mais policiais comprometidos e disciplinados. Com alguma exceção para oficiais da PM, as demais carreiras não permitem evoluções consideráveis ou um aumento salarial realmente competitivo e atraente. O policial também é um funcionário. Deve ser tratado, também, com as modernas políticas de recursos humanos. Se há necessidade de se adequar a legislação para isso, é providência que deve ser tomada sem mais demora. Deve-se premiar o bom policial: aquele que não é corrupto, nem violento. Ele deve saber que se trabalhar dez, quinze ou vinte anos de maneira disciplinada, cumprindo com suas obrigações de forma eficiente e eficaz, terá uma condição adequada para sustentar sua família ou viver condignamente sua aposentadoria. Este estímulo poderia ser estabelecido na forma de aumento salarial, com exercício num cargo de chefia -por exemplo. A forma como isto poderia se materializar depende de vários fatores, como legislação, possibilidade financeira e outras vertentes. Mas, que a sociedade deve pensar nisto é evidente.
Finalmente, após estas providências já se teria o terreno adequado para a integração das polícias. Tanto a civil como a militar estariam falando línguas parecidas, pautadas em programas efetivos de qualidade, com políticas de valorização e reconhecimento profissional. Aqueles que são naturalmente vocacionados para a investigação certamente continuariam exercendo tal atividade; da mesma forma, os que preferissem -fardados -intervir em situações de ordem pública, também seriam mantidos assim. Porém, além da formação específica de cada área tais policiais também estariam aprendendo a linguagem de gestão estratégica, de planejamento, de elaboração de processos visando a organização moderna, como conseqüência dos programas de qualidade. Isto faria a diferença na integração, pois não estariam em jogo tão somente valores tradicionais tão cultuados nas diferentes instituições. Estariam também atuando, valores organizacionais novos, apreendidos com a gestão da qualidade. Poderia funcionar. A este quadro poderia ser tentada uma abrangência ainda maior na integração, com as diversas guardas municipais.
Contudo, ao analisar-se as diferenças inter-regionais no que se refere às questões políticas e econômicas e as diversidades das atuais polícias, muitas das soluções possíveis tornam-se quase impossíveis. E as dificuldades aqui apontadas levarão um longo tempo até serem superadas.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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