quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Combate à corrupção no Brasil depende de maior agilidade no rito processual, afirma Jorge Hage em entrevista ao UNODC


09 de fevereiro de 2011 - Reconduzido ao cargo pela presidente Dilma Rousseff, o ministro chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, diz que o Brasil tem avançado significativamente no combate à corrupção, mas alerta que ainda há muito a fazer no país. Em entrevista ao UNODC, Hage defendeu a aprovação de reformas estruturais bem como maior agilidade no rito processual como formas de combater a corrupção no país. "Os corruptos, ou 'criminosos de colarinho branco' - como chamamos no Brasil - só passarão a ser presos após uma ampla reforma das leis processuais brasileiras, além do entendimento jurisprudencial do STF", afirma Hage.

Qual o balanço que o senhor faz da sua gestão durante o Governo Lula?

O balanço é extremamente positivo. Este governo atuou em todas as frentes na prevenção e no combate à corrupção, utilizando todo o cardápio recomendado pelos organismos internacionais e suas convenções que tratam do assunto. Para citar alguns exemplos, pois não é possível esgotar, nesse espaço, todas as iniciativas tomadas, criamos o Portal da Transparência, um dos mais completos do mundo em seu gênero, premiado muitas vezes, inclusive pela ONU, e copiado por vários países; criamos o programa Olho Vivo no Dinheiro Público, que vem fomentando o controle social sobre as contas públicas; expulsamos do serviço público, até dezembro de 2010, quase três mil servidores, a maioria deles por prática de atos ligados à corrupção; propusemos ao Congresso Nacional algumas medidas de suma importância para o aprimoramento do marco legal nessa área. Os órgãos encarregados de fiscalização, investigação e controle sobre a aplicação de recursos públicos têm atuado de forma articulada, sobretudo a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal e o Ministério Público, com operações conjuntas no desbaratamento de antigos esquemas organizados para desviar recursos públicos em todo o país.


E agora, no Governo Dilma? Quais são as prioridades da CGU nesse momento?

A presidenta Dilma, que sempre acompanhou o trabalho da CGU, já nos disse que sua intenção é não apenas dar seguimento ao que vem sendo feito, mas aprofundar ainda mais a luta contra a corrupção e tomar novas iniciativas. Em seu discurso de posse, ela afirmou textualmente que "a corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia". Na primeira reunião ministerial disse que, para ela, eficiência e conduta ética são faces da mesma moeda, ou seja, não há gestão realmente eficiente se não for rigorosa no campo ético.


O que o Governo Federal tem em mente para avançar na gestão de Estados e Municípios?

Essa é uma questão mais delicada, pois, no Brasil, a autonomia administrativa de Estados e Municípios, expressa na Constituição Federal, impede que a União fiscalize a aplicação de recursos próprios desses entes federativos. Com o Programa de Fiscalização por Sorteios, criado pela CGU em 2003, temos aprofundado a fiscalização sobre a aplicação de recursos federais repassados a Estados e Municípios. Criamos o programa Fortalecimento da Gestão Municipal, com o qual já levamos capacitação a mais de mil pequenos e médios municípios, onde os problemas encontrados nas fiscalizações da CGU não configuram desvios dolosos, mas despreparo administrativo. Temos, ainda, apoiado tecnicamente Estados e Municípios na implantação de seus respectivos portais de transparência. E pretendemos avançar muito mais nossa interação com esses entes, pois não interessa que apenas o Governo Federal avance na prevenção e combate às práticas corruptas.


A Controladoria Geral da União criou o cadastro das empresas inadimplentes. Qual tem sido o resultado desse cadastro?

O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) foi criado em dezembro de 2009 e, com pouco mais de um ano, já conta hoje com quase quatro mil empresas punidas após serem pilhadas na prática de irregularidades em suas relações com o poder público. A criação do Ceis decorre do entendimento de que a corrupção quase sempre tem dois lados - o corruptor e o corrompido-, e não bastava punir apenas o servidor público - o corrompido-, mas é preciso punir também a empresa corruptora. A idéia do cadastro é reunir, em um único local de consulta, empresas punidas por diferentes órgãos das administrações federal, estadual e municipal, bem como dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma a evitar que, por desconhecimento, os órgãos públicos continuem a contratar empresas declaradas inidôneas por outro órgão. O cadastro, que já exibe as relações de empresas punidas por inúmeros órgãos federais e também de muitos Estados e Municípios, vem atendendo essa finalidade e vai ampliar ainda mais sua utilidade na medidas em que outros Estados e Municípios aderirem, enviando suas relações de empresas punidas.


No final do ano passado, foi criado o 'Cadastro Positivo' (de adimplentes). Em que pé está a criação desse cadastro? Qual é a sua opinião sobre a criação desse cadastro?

Essa é outra iniciativa importante do governo brasileiro, porque, atendendo a uma recente tendência internacional, visa a atrair a iniciativa privada para o esforço do combate à corrupção e promoção da ética nas relações entre os setores público e privado. A iniciativa ainda é muito recente, de dezembro de 2010, e estamos ainda na fase de montagem dos mecanismos do cadastro, como o comitê de avaliação, a forma de análise dos requisitos, etc.

Quais o senhor considera que são os principais mecanismos de controle da corrupção que vêm dando certo no Brasil?

Entendo que o conjunto de iniciativas tomadas é que propicia o avanço que temos conseguido da luta contra a corrupção no Brasil. Isso porque as medidas se complementam, combinando prevenção, controle interno, fomento ao controle social e repressão - com efetiva punição, pelo menos as que são legalmente aplicáveis no plano administrativo.


O Brasil tem avançado bastante no combate à corrupção, mas ela ainda está presente. Na sua opinião, quais ainda são os principais desafios do Brasil no controle da c o rrupção?

A corrupção existe, em diferentes índices, em todos os países do mundo. E o combate a ela deve ser diuturno, sem tréguas. Aqui no Brasil, apesar do muito que vem sendo feito nos últimos anos, ainda há muito por fazer. Entendo que o principal entrave à punição dos corruptos decorre das nossas leis processuais, que permitem uma infinidade de recursos, inviabilizando, na prática, a prisão dos envolvidos. Isso, aliado ao entendimento de nossos tribunais superiores, segundo o qual não se pode colocar o réu na cadeia antes que a sentença transite em julgado, isto é, que se esgotem todas as possibilidades de recurso, acaba disseminando a impunidade. Falta ainda uma reforma política, a do financiamento de campanhas e partidos, a das emendas parlamentares, entre outras. E certas coisas só evoluem com a pressão da sociedade. O exemplo da Lei da Ficha Limpa pode e deve multiplicar-se, porque é muito importante que o Brasil continue avançando nessa área. É bom lembrar que o Governo encaminhou importantes propostas nessa área ao Congresso, onde se encontram pendentes de análise, a exemplo da lei de acesso à informação pública, a que regulamenta o conflito de interesses entre o público e o privado na administração federal, e a que criminaliza o enriquecimento ilícito.


Neste ano houve uma expressiva renovação do Congresso Nacional. Qual é o papel dos parlamentares eleitos em relação ao enfrentamento da Corrupção?

Existe um rol amplo de propostas legislativas em tramitação no Congresso, de suma importância para a luta contra a corrupção. Algumas delas já foram citadas na resposta anterior. Para começar, acho que os parlamentares, tanto os novos quanto os que conseguiram ter renovados seus respectivos mandatos, contribuiriam enormemente se agilizassem a análise dessas propostas, de forma a transformá-las em lei o mais rapidamente possível.


Comparando o Brasil com outros países, em que patamar o senhor acha que o país está no enfrentamento da corrupção?

Vou responder comentando um trecho de uma pesquisa mundial divulgada pela Transparência Internacional em dezembro último e que mostra o Brasil no grupo de países menos castigados pela praga da propina: apenas 4% dos entrevistados já foram submetidos a isso no Brasil, índice igual ao do Canadá e melhor que o dos Estados Unidos e da União Européia (5%). A média mundial foi de 25%. Mas o item que a imprensa brasileira mais divulgou, em tom de crítica, foi o de 54% das respostas achando que as medidas tomadas pelo governo brasileiro não são efetivas. Pois bem: a mesma tabela mostra que nos EUA esse percentual é de 71%; no Canadá, 74%; na Alemanha, 76%; e na Finlândia, 65%, todos bem piores que o Brasil. Já no Azerbaijão, só 26% pensam assim sobre as medidas do seu governo; no Quênia, 30%; e em Uganda, 24%. A tabela estaria invertida? Não. O que acontece é que quando a pergunta envolve percepção, e não fatos, a resposta depende do nível de informação, de exigência e do grau de consciência crítica da sociedade. Ou seja, o Brasil está muito bem posicionado no contexto mundial.


Qual é a importância da cooperação internacional quando o assunto é corrupção?

A cooperação internacional é fundamental para o combate à corrupção no mundo. O Brasil tem consciência disso e não é por outra razão que o país é signatário das três convenções internacionais contra a corrupção: a da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização para Cooperação de Desenvolvimento da Europa (OCDE). Somente com articulação e troca de experiência entre as nações, se poderá neutralizar o grande poder de fogo da corrupção e do crime organizado, que se modernizam e se sofisticam a cada dia, utilizando, inclusive, os mais modernos recursos da informática.


Sobre a penalização, quando o senhor acredita que uma pessoa famosa - político ou empresário - cumprirá a pena de prisão por ato de corrupção?

Os corruptos, ou "criminosos de colarinho branco" (como chamamos no Brasil), só passarão a ser preso após uma ampla reforma das leis processuais brasileiras, além do entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, STF. Entendo que tornar mais ágil o rito processual não significa suprimir direitos como a "presunção da inocência". O banqueiro Bernard Madoff, por exemplo, foi condenado a 150 anos de prisão por uma fraude financeira que causou prejuízo de bilhões de dólares. A sentença saiu em menos de um ano e foi dada por um tribunal de Nova York, não foi sequer pela Suprema Corte Americana. E, pelo que me consta, os Estados Unidos são uma democracia e não um estado autoritário e policialesco.


Fonte: ONU

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