Caetano e Gil é que estavam certos: “Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”. Disto não há dúvida. Convivemos pacificamente com um ordenamento garantista, sem abrirmos mão de práticas medievais. E ainda nos damos ao luxo de fazer cara de espanto e biquinho de indignação quando o óbvio é esfregado em nossas caras.
Afirmamos defender os direitos humanos ao mesmo tempo que aplaudimos o fortalecimento de doutrinas como a do Direito Penal do Inimigo que permite a violação de direitos e garantias inerentes à dignidade da pessoa humana contra aquele a quem se imputa a pecha de inimigo. Mesmo sabendo que, via de regra, o inimigo será sempre os mesmos? Sempre os pobres. Ainda que o prejuízo causado pelo mais comedido dos corruptos federais é maior do que o causado pela soma de praticamente todos os presos por roubo e furto de qualquer penitenciária do país, sabemos que é contra os ladrões e pequenos traficantes que a mão do Estado sempre pesará com mais força.
Clamamos por uma polícia cidadã, mas pouco ligamos para saber se a cidadania dos policiais é respeitada, como se fosse possível a alguém defender aquilo que lhe é alheio.
Mas pra que tudo isso? Simples. Acontece que recentemente foi divulgado pelo Fantástico uma matéria sobre as condições das delegacias brasileiras e, ainda que os resultados tenham sido óbvios, não faltou quem manifestasse surpresa e indignação. Como se pudesse ser estranho alguém encontrar baratas no lixo. Na reportagem foi citada uma pesquisa da Altus Global Alliance, como se fosse algo inédito. Pra quem não sabe, há cinco anos que anualmente é realizada a “Semana de Visita a Delegacias” em cinco continentes. Em todos os anos a situação brasileira foi constatada como sendo caótica.
O relatório da ONU sobre Direitos Humanos no Brasil de 2005 já denunciava as condições aviltantes das delegacias brasileiras, igualmente o Plano Nacional de Segurança Pública e o Relatório Final da CPI do Sistema Penitenciário Brasileiro.
Mas se o problema é tão óbvio e antigo, porque tanto destaque como se estivessem descobrindo a pólvora? Talvez pela falta de um bom escândalo ou catástrofe que pudesse substituir as já desgastadas matérias sobre as enchentes no sul-sudeste. Pode até parecer um comentário cínico, mas o fato é que o grande ícone da imprensa brasileira, Assis Chateaubriand , já dizia que quando o jornalista estiver sem notícias é só falar de polícia. Inclusive isso explica o porquê de haverem tantos “policiólogos” na sociedade contemporânea.
Só para lembrar, a TV Sergipe em 2009 fez uma série de três reportagens sobre as condições das delegacias sergipanas.
Fala-se em superlotação do sistema prisional sem refletir que mais da metade dos nossos presos ainda sequer foram julgados em primeira instância. E são justamente esses presos não julgados que abarrotam as delegacias. Em Sergipe, segundo dados divulgados através do Anuário 2010 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, menos de 33% das pessoas que se encontravam presas em Sergipe ano passado tinham sido condenadas.
O tempo de nos indignarmos já passou de longe. O contexto de nossas delegacias há muito que se adequa perfeitamente ao que Hannah Arendt chamou de “banalização do mal” indicando que alguns indivíduos agem dentro das regras do sistema a que pertencem sem racionalizar sobre seus atos. Eles não se preocupam com as conseqüências destes, só com o cumprimento das ordens. A prática de atos do "mal" não são racionalizados em seu resultado final, desde que as ordens para executá-los advenham de estâncias superiores.
Este ano a Altus Global Alliance fará uma nova Semana de Visita às Delegacias em cinco continentes. Se na época houver um bom escândalo ou catástrofe natural, o resultado passará em branco como passou nos últimos anos, do contrário, dar-se-á destaque como se deu à última. Sempre tendo em mente que a discussão e busca de solução do problema não pode ficar ao encargo da imprensa. Há de se cobrar incisivamente aos nossos governantes, afinal, como bem já advertiu Millôr Fernandes: “muito mais ainda é pouco, mas um pouco menos já é demais!”
Ricardo dos Reis Tavares - 09/02/2011
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Afirmamos defender os direitos humanos ao mesmo tempo que aplaudimos o fortalecimento de doutrinas como a do Direito Penal do Inimigo que permite a violação de direitos e garantias inerentes à dignidade da pessoa humana contra aquele a quem se imputa a pecha de inimigo. Mesmo sabendo que, via de regra, o inimigo será sempre os mesmos? Sempre os pobres. Ainda que o prejuízo causado pelo mais comedido dos corruptos federais é maior do que o causado pela soma de praticamente todos os presos por roubo e furto de qualquer penitenciária do país, sabemos que é contra os ladrões e pequenos traficantes que a mão do Estado sempre pesará com mais força.
Clamamos por uma polícia cidadã, mas pouco ligamos para saber se a cidadania dos policiais é respeitada, como se fosse possível a alguém defender aquilo que lhe é alheio.
Mas pra que tudo isso? Simples. Acontece que recentemente foi divulgado pelo Fantástico uma matéria sobre as condições das delegacias brasileiras e, ainda que os resultados tenham sido óbvios, não faltou quem manifestasse surpresa e indignação. Como se pudesse ser estranho alguém encontrar baratas no lixo. Na reportagem foi citada uma pesquisa da Altus Global Alliance, como se fosse algo inédito. Pra quem não sabe, há cinco anos que anualmente é realizada a “Semana de Visita a Delegacias” em cinco continentes. Em todos os anos a situação brasileira foi constatada como sendo caótica.
O relatório da ONU sobre Direitos Humanos no Brasil de 2005 já denunciava as condições aviltantes das delegacias brasileiras, igualmente o Plano Nacional de Segurança Pública e o Relatório Final da CPI do Sistema Penitenciário Brasileiro.
Mas se o problema é tão óbvio e antigo, porque tanto destaque como se estivessem descobrindo a pólvora? Talvez pela falta de um bom escândalo ou catástrofe que pudesse substituir as já desgastadas matérias sobre as enchentes no sul-sudeste. Pode até parecer um comentário cínico, mas o fato é que o grande ícone da imprensa brasileira, Assis Chateaubriand , já dizia que quando o jornalista estiver sem notícias é só falar de polícia. Inclusive isso explica o porquê de haverem tantos “policiólogos” na sociedade contemporânea.
Só para lembrar, a TV Sergipe em 2009 fez uma série de três reportagens sobre as condições das delegacias sergipanas.
Fala-se em superlotação do sistema prisional sem refletir que mais da metade dos nossos presos ainda sequer foram julgados em primeira instância. E são justamente esses presos não julgados que abarrotam as delegacias. Em Sergipe, segundo dados divulgados através do Anuário 2010 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, menos de 33% das pessoas que se encontravam presas em Sergipe ano passado tinham sido condenadas.
O tempo de nos indignarmos já passou de longe. O contexto de nossas delegacias há muito que se adequa perfeitamente ao que Hannah Arendt chamou de “banalização do mal” indicando que alguns indivíduos agem dentro das regras do sistema a que pertencem sem racionalizar sobre seus atos. Eles não se preocupam com as conseqüências destes, só com o cumprimento das ordens. A prática de atos do "mal" não são racionalizados em seu resultado final, desde que as ordens para executá-los advenham de estâncias superiores.
Este ano a Altus Global Alliance fará uma nova Semana de Visita às Delegacias em cinco continentes. Se na época houver um bom escândalo ou catástrofe natural, o resultado passará em branco como passou nos últimos anos, do contrário, dar-se-á destaque como se deu à última. Sempre tendo em mente que a discussão e busca de solução do problema não pode ficar ao encargo da imprensa. Há de se cobrar incisivamente aos nossos governantes, afinal, como bem já advertiu Millôr Fernandes: “muito mais ainda é pouco, mas um pouco menos já é demais!”
Ricardo dos Reis Tavares - 09/02/2011
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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