Em apenas três dias dois militares atentaram contra a própria vida, o último caso foi nesta quarta-feira (01), quando o Soldado Bonomo que estava na 13ª Cia Ind, ligou transtornado para o Ciodes e acabou atirando contra sua cabeça. Dois dias antes, um soldado do 4º BPM visivelmente transtornado invadiu um hospital no Ibes, em Vila Velha e, com arma em punho tentou se matar. Felizmente foi contido e permanece internado.
O que vem acontecendo com os militares e estes dois são exemplo, é reflexo de uma grave crise interna na PMES que se agravou após as expulsões de militares depois o movimento reivindicatório de fevereiro. Além das pressões por parte da sociedade, governo e do comando, baixo auto-estima, baixos salários e dificuldade de conseguir sair da corporação quando encontra algo melhor que possa sustentar suas famílias.
O caso do Soldado Bonomo, que antes de ir para a 13ª Cia Ind, era da 5ª Cia do 4º BPM, é um alerta. De acordo com parentes e amigos próximos do militar, nesta quarta-feira (01) ele havia ligado para os amigos de farda que ficaram preocupados com suas palavras e por que, dias antes, ele havia sido internado por problemas psicológicos.
Antes de usar a arma da corporação contra sua própria vida, Bonomo fez contato com o Ciodes aparentemente transtornado. Uma VTR foi enviada ao local em São Torquarto e, quando os militares chegaram ainda o encontraram com vida. De acordo com relatos de um dos militares que atendeu a ocorrência, Bonomo teria planejado sua morte, pois quando chegaram no local o militar não quis conversar com os colegas de farda. Ainda segundo relato, viu a viatura, deu uns três passos e atirou, se ferindo gravemente. Bonomo foi socorrido para o Hospital São Lucas onde passou por cirurgia e morreu.
A sua morte se reflete em toda a tropa e, os dois policiais que o socorreram foram dispensados e tiveram suas armas recolhidas porque já haviam trabalhado com Bonomo no 4º BPM. Será que o comando da PMES e o governo precisam de mais mortes para reconhecerem que a tropa está doente? Para o psiquiatra Bernardo Santos Carmo sim a tropa está doente.
“Sem sombra de dúvidas a tropa capixaba está psicologicamente doente. Eu afirmo isso categoricamente. Não posso ser ofensivo, mas tenho que dizer uma realidade, a PMES pode oferecer uma assistência efetiva no Hospital da Polícia Militar. De acordo com relatos de 100% dos meus pacientes, eles não se sentem de forma alguma assistidos pelo HPM e eu tento suprir isso como Associação de Cabos e Soldados à medida que eu fiz um juramento de ajudar as pessoas. Ouvi relatos de pacientes em sua totalidade que eles não se sentem confortáveis, tratados, escutados ou acolhidos no HPM”.
O Soldado Bonomo era um dos quase 500 militares que são acompanhados pelo psiquiatra Bernardo Santos Carmo, que atende na sede da Associação de Cabos e Soldados e também fora da entidade. O especialista, inclusive, havia acompanhado o militar Bonomo em sua internação. Dr. Bernardo fala sobre como está a tropa, para ele, se faz necessário um tratamento urgente.
“Há uma desesperança quase que unânime e sentimento de menos valia, de desvalorização do próprio trabalho é algo que se intensificou muito nos últimos tempos. A irritabilidade também é constante a ponto de, se não houver um tratamento para muitos policiais pode haver uma tragédia iminente. Inclusive muitos devem ficar afastados por isso. É algo temerário esses militares continuarem em serviço com o risco de homicídios e principalmente suicídios. Já presenciei esse último risco em dezenas de militares”.
O psiquiatra Bernardo Santos Carmo diz ainda que a insônia, a falta de perspectiva, muita vontade de se desligar da Polícia Militar são presenças constantes na tropa. Bernardo diz que o que chama sua atenção é que detectou na tropa a carência de identidade
“Os policiais se questionam para que servem. Ouvi de muitos militares atendidos que a sociedade não reconhece o seu trabalho. Essa é uma queixa constante que se reflete em quadros depressivos reacionais e muito tensos com ideações suicidas, ideações de sair do país, muitos com vontade de sair do Estado, de deixar de ser policial. Talvez em 60% dos casos ou mais de deixar a polícia é para seguirem uma nova profissão”.
Depressão
A doença que é considerada um dos males do século, contaminou a tropa capixaba segundo o psiquiatra Bernardo Santos Carmo. O psiquiatra alerta que a irritabilidade é um sinal da depressão e o militar e seus familiares devem ficar atentos a este e outros sinais.
“No caso específico de um policial a irritabilidade é uma queixa constante dos seus familiares que em muitos casos chegam a um grau físico. Também há a fadiga, ansiedade e insônia. Apesar de um policial trabalhar em uma escala noturna, por exemplo, às vezes ele não consegue sequer dormir quando chega em casa. Com estes sinais deve-se procurar ajuda”, afirma o psiquiatra.
Bernardo também fala que é inerente à função do policial, viver no linear entre a vida e a morte, dada a banalização dos dois. “Esse policial sai e não sabe se vai voltar para casa. Com isso vem a depressão, o sentimento de pessimismo que acontece inicia o pânico e o sentimento de que ele não consegue desempenhar a sua função com a intercorrência de falta de ânimo no dia a dia”.
Doenças agravadas após fevereiro de 2017
As doenças psicológicas que acometem a topa da PMES pioraram após o movimento reivindicatório de fevereiro segundo a opinião do psiquiatra. As doenças psicológicas não atingem somente o Policial Militar, o psiquiatra Bernardo Santos Carmo também afirma que muitas famílias de militares estão sendo desfeitas em decorrência delas.
“Há algo na psiquiatria que chamamos de psicoses reacionais: depressão reacional, ansiedade reacional. São doenças circunstanciais que têm uma causa e um evento bem definidos. Depois de fevereiro são inúmeros os casos de surtos psicóticos, internações com números incalculáveis em instituições psiquiátricas, tentativas de suicídios em que várias delas chegaram a se efetivar”.
O especialista alerta para o alcoolismo que tem se tornado presente na vida do militar capixaba. “O alcoolismo e o uso de outras substâncias é um assunto delicado, mas é uma realidade. Algumas pessoas não tomam remédio, mas tomam álcool para relaxar e tomam todos os dias. Isso acontece talvez por uma falta de conscientização, algo que eu tento fazer com os policiais para enxergarem a importância da medicação. Faço o que posso para que meus pacientes deixem esse comportamento alcoólatra de beber todos os dias”, desabafa.
A ACS tem buscado suprir a omissão estatal através de convênios com profissionais de saúde e reconhece com muito carinho o esforço de todos que se colocam dispostos a ajudar. Obrigado Dr Bernardo por cuidar da saúde de tantos militares!
Reportagem: Mary Dias
Fonte: Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Espírito Santo
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