sexta-feira, 19 de março de 2010

Ministério da Justiça vai implantar guarda costeira no país

Estresse na atividade policial, o papel das polícias na aplicação da Lei Maria da Penha, comunicação e segurança, o papel do setor privado na segurança pública. Esses foram alguns dos temas de 29 mesas-redondas apresentadas no IV Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reuniu em São Paulo mais de 1.300 pessoas interessadas num dos assuntos mais sensíveis da agenda política contemporânea. Depois de anos de abandono pelas políticas públicas, finalmente a segurança começa a aparecer com destaque nos programas de governo dos candidatos a cargos do poder executivo no país. Em breve veremos o dia em que todos os governadores e o presidente da República vão reservar espaço em sua agenda para ir ao encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do qual sou um dos 60 membros e que - tirando meu nome, é claro - reúne hoje a nata dos pesquisadores do tema no país e tem se transformado num espaço democrático que atrai tanto acadêmicos quando policiais e outros operadores da segurança pública.

Este ano tenho a grata alegria de receber uma colaboração superespecial para o blog. A jornalista Anabela Paiva, repórter de mão cheia e desde 2004 na seara da pesquisa em segurança pública, aceitou meu convite para escrever um texto sobre a mesa-redonda que reuniu três experts no tema com experiência na chefia da Secretaria Nacional de Segurança Pública - o órgão do Ministério da Justiça, que executa as políticas públicas junto aos estados da fedearação.

Um consenso: melhores salários, revisão do regimento da PM e reforma do modelo policial brasileiro

Por Anabela Paiva, pesquisadora e jornalista, especial para blog Repórter de Crime

Uma conversa franca e pública entre o titular de uma das pastas mais sensíveis do governo federal e dois antigos ocupantes do mesmo cargo não é uma cena comum na política brasileira. Por isso mesmo, a mesa que reuniu o Secretário Nacional de Segurança Pública Ricardo Balestreri e dois ex-ocupantes do mesmo cargo – o coronel da PM paulista José Vicente da Silva Filho e o cientista político Luiz Eduardo Soares – foi uma das mais concorridas do IV Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, encerrado ontem em São Paulo. A conversa em torno do tema “Política Nacional de segurança: discussões, consensos e desafios” não ficou só no plano das idéias futuras. Durante o debate, Balestreri contou “em primeira mão” que até o fim do seu mandato vai criar uma policia ostensiva marítima para combater a pirataria e o contrabando na costa brasileira.

– Tenho um mapa do Brasil no meu escritório. Olho para ele e fico pensando como, em 500 anos, não conseguimos construir uma guarda costeira. Deixamos isso para a Marinha, que não tem essa vocação.


Balestreri comentou que a pirataria já é uma preocupação em rios do Norte brasileiro e, se não for reprimida, pode tornar-se um problema em rotas de navegação marítima no Brasil. Além disso, ele ressaltou, à medida que o controle das “fronteiras secas” aperta, contrabandistas tenderão a usar o mar para o transporte de armas e drogas.

Os participantes da mesa não procuraram reinventar a roda. A valorização do profissional de segurança pública, necessidade já mais que comprovada e discutida, foi citada como a maior prioridade. Enquanto policiais e bombeiros continuam em campanha pela aprovação na Câmara Federal do Piso Salarial Nacional dos Bombeiros e Policias , a PEC 300, Luiz Eduardo Soares fez a defesa veemente da revisão dos salários de policiais.

– Se segurança pública é fundamental, que o limite não seja o orçamento disponível. O limite deve ser a dignidade do profissional de segurança – disse ele.

Outras duas prioridades pareceram ser consenso entre os três participantes. A primeira, uma revisão do regimento da Policia Militar.

– É preciso compatibilizar o regimento interno com a Constituição. Há limites para a hierarquia ser exercitada – disse Luiz Eduardo.

José Vicente e Balestreri também comentaram a necessidade de coibir o “assédio moral” de superiores da PM e bombeiros contra os subordinados. Balestreri lembrou que, num curso sobre direitos humanos, soube que um comandante de bombeiros castigava os soldados obrigando-os a sentarem-se nus em um formigueiro.

– A gente sai sem conseguir abrir os olhos – contou uma das vítimas da tortura.

O secretário relatou o caso ao comando da força no estado, sem sucesso.

– Tenho me preocupado muito em defender os direitos humanos policiais. O profissional precisa ser bem tratado na corporação para que possamos exigir que ele trate bem os outros – observou.

Outro tema de consenso foi reforma do modelo policial brasileiro. Luiz Eduardo fez referência à pesquisa que coordenou para a Senasp, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). As respostas de 64 mil policiais mostraram que 77% deles defende mudanças na atual estrutura do aparelho policial.

– Antes diziam que a massa era contrária às mudanças, que isso era coisa de intelectual, de militante de ONG.

Balestreri defendeu a atuação independente da PM e da Polícia Civil, em esferas diferentes.

– Somos o único país com meias polícias que se atrapalham mutuamente. Essa situação só pode ser resolvida pelo divórcio, não pelo casamento.

Para o chefe da Senasp, o Brasil teria um sistema mais racional se as polícias militares cuidassem dos crimes contra o patrimônio e as polícias civis se ocupassem dos crimes contra a pessoa. Guardas municipais fariam o combate de delitos como a contravenção.

Clima ameno

O encontro mediado pelo diretor do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, foi amistoso. Com seu jeito direto , o coronel José Vicente expressou idéias polêmicas. Declarou ser favorável à pena de morte e citou a importância da descriminalização do aborto para a segurança pública. Vicente também mostrou-se favorável à revisão das penalidades aplicadas aos crimes de adolescentes.

– Os que cometerem crimes violentos têm de ser punidos com o máximo rigor, não interessa a idade. Balestreri e Luiz Eduardo evitaram divergir e enfatizaram os pontos em comum com o policial. O Secretário Nacional de Segurança Pública aproveitou para fazer uma defesa da sua administração. Ele reconheceu a “má gestão histórica na segurança pública” e a ausência de pensamento estratégico no setor. Citou as unidades de polícia pacificadora do Rio de Janeiro como um exemplo dos resultados positivos da polícia comunitária ou de atuação próxima ao cidadão, uma antiga causa sua. Ele também destacou os investimentos em treinamento e qualificação.

– Gastávamos apenas 3,5% em capital humano e 37% dos recursos em viaturas que, por falta de política de garagem, em dois anos precisavam ser substituídas. Hoje tenho o orgulho de dizer que gastamos mais de 60% dos nossos recursos em capital humano – disse o criador da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública.

O valor dos investimentos anuais da Senasp em 2010 chega perto dos R$ 1,7 bilhões, mas ainda precisa crescer muito, admitiu o secretário.

– Aumentou muito, mas ainda é insuficiente. Não adianta tapar o sol com a peneira. O governo federal tem de investir de R$ 8 a 10 bilhões por ano na segurança pública.

Para executar este orçamento de gente grande, continuou o secretário, seria preciso criar um ministério da Segurança Pública.

– Nós poderíamos levar essa idéia para a Dilma – propôs Balestreri a Luiz Eduardo.
– Certo. E eu levo pra Marina – riu Luiz Eduardo, partidário da candidata do Partido Verde.
 

Fonte: Blog Reporter de Crime - Jornalista Jorge Antônio Barros - Globo.com

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