segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Meia Cidadania


Autor: Marcelo Lopes

Será que se a sociedade civil organizada não pressionasse o regime militar, de tal sorte que ele sucumbisse, não estaríamos, ainda hoje, vivendo sob este regime? Ou alguém imagina que eles próprios iriam entregar o poder aos civis por entenderem que já tinham contribuído de forma satisfatória com a nação? Ou ainda, será que se toda uma confluência de interesses nacionais, naturalmente orientados por interesses externos, não criassem condições favoráveis à mudança dos tempos não estaríamos ainda sob a égide do estado de exceção? Talvez venha daí minha descrença em nós mesmos no que se refere a um processo verdadeiro de auto-avaliação e conseqüente criação de um campo fértil onde possa florescer uma nova estrutura policial.

Brincava eu com um grande amigo quando dizia que, diariamente, todas as postagens deste blog deveriam ser a seguinte: “Assistam ao filme Tropa de Elite II”, brilhante síntese da nossa septicemia social e inequívoca prova, a medida que o tempo passa, de nossa incompetência enquanto estado, nação, governo, povo, sociedade…

Perdemos toda nossa capacidade de indignação. Como é possível que esta realidade, sem a menor cerimônia, entre em nossa casa, coma nossa comida, durma em nossa cama, deite-se com nossas mulheres, e ao final ainda nos vejamos obrigados a agradecê-la? Afinal de contas, é esta realidade que nos permite financiar um carro, uma casa, nos permite a cervejinha do fim de semana, a escola das crianças, uma velhice sem sobressaltos etc. Os símbolos, tão mal afamados dentro da corporação são justamente isso: um incentivo para quem está disposto a vender parte de suas convicções em nome da faculdade de um filho, de um apartamento maiorzinho ou uma casa na praia… Sabe o mais interessante disto tudo? É que lidamos com estas situações com deboche, ao sabor de piadinhas que nos torna ainda mais cínicos e céticos.

Cidadania pressupõe, de forma incondicional, liberdade de expressão, igualdade de oportunidades, e mais, ter ao alcance de todos os mecanismos legais e efetivos de correção de eventuais injustiças. Falo em justiça uma vez que a legalidade, penso eu, não nos ampara enquanto trabalhadores, já que por força de lei não temos os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Então, como lutar contra algo que é flagrantemente injusto e ao mesmo tempo legal?


Esta semana li novamente o livro “A Desobediência Civil” de Thoreau, justamente porque há pouco tempo assisti ao filme “O Grande Desafio” estrelado por Denzel Washington e Forest Whitaker. No último e, talvez, mais importante argumento do filme o debatedor diz mais ou menos o seguinte: “Contra a injusta legalidade a que somos submetidos somente nos resta duas formas de luta: ou a violência, ou a desobediência civil. Vocês deveriam se sentir felizes por nós escolhermos a segunda opção”. O filme é um retrato de uma época em que os negros estadunidenses pediam desculpas por estarem certos e pagavam caro por reivindicarem seus legítimos direitos, contudo, o argumento final aponta um caminho muito diferente da passividade bovina que nos assola, mostrando que, através da educação podemos fazer valer os nossos direitos, legais ou não, desobrigando qualquer indivíduo de exercer, sob condições injustas, sua cidadania.

Eis um pensamento recorrente no filme:

Quem é o juiz?
O juiz é Deus.

Por que Ele é Deus?
Porque Ele decide quem ganha ou perde, e não o meu adversário. Ele não existe.

Por que ele não existe?
Ele é apenas uma voz que discorda da verdade que eu digo.

Fonte: Abordagem Policial

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