quinta-feira, 26 de julho de 2012

Legalização das Drogas – Um salto no escuro!

Por ser dom e parte indissociável da condição de ser humano, constantemente revejo e reviso minhas posições, opiniões e conceitos face às rápidas e constantes mudanças cotidianas verificadas no mundo e na sociedade em que estamos inseridos. Algumas condicionantes que emolduram permanentemente a individualidade, claro, conservam-se imutáveis. Caráter, ética, moral, pudor, com o passar do tempo sofrem acréscimos, nunca dissipações ou transformações radicais.

Por conta disso, não sei se por pragmatismo ou puro reacionarismo mesmo, não consigo digerir plenamente certos avanços conceituais surgidos recentemente na discussão mundial sobre controle do uso e tráfico de drogas ilícitas. Recentemente li artigo-reportagem atribuído a Jack Cole, fundador do Law Enforcement Against Prohibition (Policiais contra proibição), publicado no site Comunidade Segura sob o título “Ponto final na guerra contra as drogas”*, e confesso sinceramente que, apesar da aparente seriedade de propósitos da Fundação, os argumentos esgrimidos ali sobre legalização pura e simples das drogas não me convenceram do acerto e da utilidade concreta desta abordagem. Seu conteúdo mostra-se superficial, despido de critérios e informações fundamentais sobre possíveis desdobramentos acerca da medida, senão parece apenas uma teimosia juvenil da legalização pela legalização -principalmente sendo em terras alheias.

Baseado em números estatísticos brutos, sem a devida lapidação da análise conjuntural e estrutural do momento histórico e da região em que foram colhidos, o entrevistado tenta introduzir uma receita que, segundo ele, porá um ponto final na conduta violenta observada nos grandes centros urbanos. E vai mais além: “… não dou mais que dez anos para isso tudo (a guerra às drogas) acabar”, vaticina. Sem embargo, o modelo empolga e agrada mais a especialistas de gabinete, adeptos a experimentos sociais controvertidos em comunidades estrangeiras, que àqueles interessados em por mais luzes no debate acerca do fenômeno das drogas.

A abstração – nada mais que isso – de que a legalização total das drogas, por si só, é capaz de reduzir drasticamente os atuais índices crescentes de violência e criminalidade, não passa de renomada balela, de retumbante engodo. A propositura inusitada não leva em conta dados elementares da dinâmica social. A exemplo de outros artigos de mesma tendência, insiste em trazer o episódio único e surrado do fim da proibição do álcool em 1933 nos EUA, como paradigma e lição sobre a consequente derrocada do crime organizado e rebaixamento da violência. Esquecem-se, os autores da idéia, de perlustrar as minudências de outros fatores importantíssimos para o cabal esclarecimento da proposição.

Primeiro, a mágica da legalização das drogas não fará desaparecer de chofre uma legião inteira de dependentes espalhada mundo afora. Diferentemente de 1933, herdaremos a inquietação do que fazer com este contingente imenso de drogados perambulando pelos continentes. Pergunta-se: a proposta de extinção da proibição prevê que o mercado de drogas se realinhe automaticamente, sem intervenção do Estado e desabastecimentos? Qual seria o primeiro país a adotar unilateralmente a medida, incorrendo no risco de transformar-se prontamente em paraíso do consumo? Os EUA, como xerife do mundo? Duvido! Qual o custo em estrutura de saúde pública, a ser desembolsado pelo contribuinte, para bancar toda esta aventura sociológica? E mais: caso não seja uma decisão planetária, o Estado pioneiro seria proprietário de toda cadeia produtiva do entorpecente, com fazendas de maconha, coca e papoula – sujeitando-se a subverter radicalmente a função social da terra, através de uma reforma agrária às avessas? Implantaria e manteria laboratórios de produção e refino, logística de transportes e controle de pontos de distribuição, cujos quadros seriam de funcionários públicos concursados? Terceirizaria total ou parcialmente todo o processo, mantendo-se apenas na administração do negócio? A droga seria vendida diretamente pelo Estado, a preços subsidiados, ou simplesmente doada a quem se dispusesse a preencher um formulário de cadastro? Não sendo assim, tudo seria deixado à livre e espontânea regulação do “sr. mercado”, conformando demanda e preço de acordo com as flutuações da lei de oferta e procura?

Em segundo lugar, não está bem claro na exposição da extinção da proibição quais os mecanismos de aferição e mensuração do esperado decréscimo dos níveis de criminalidade. A mera suposição de seu retraimento baseado tão somente no exemplo longínquo e descontextualizado do fim da lei seca em 33, não explicita de forma cabal o objetivo apregoado e soa desarrazoado. São pontos a esclarecer, mas que ninguém ousa mencionar! São perguntas e assertivas tão diminutas que as eminências que se debruçam sobre o caso não têm tempo nem paciência para se dignar respondê-las.

A situação é de extrema gravidade e não comporta soluções absolutamente comezinhas! Por outro lado, é inegável que a violência urbana, experimentada hoje em todo o mundo, tem fortes raízes no tráfico e consumo de drogas. Mas, daí a afirmar que somente a legalização, como panacéia, traria enorme descompressão em seus níveis é, no mínimo leviano, para não dizer irresponsável. A violência e o crime têm muitas outras raízes fincadas, principalmente, no abismo da desigualdade social; na desesperança causada pela corrupção inibidora do crescimento do estado; na quadra histórica de cada povo; na intrincada composição geopolítica e geoeconômica de determinada região; no desacerto de políticas públicas de governo; na cupidez de certos pesquisadores etc. Não só e unicamente no problema das drogas.

Neste ponto é bom esclarecer ao leitor menos avisado que, à primeira vista, as indagações e reflexões expostas podem parecer coisas de traficante ressentido, discurso de organização criminosa empedernida interessada em dar sustentação mercadológica a seu empreendimento, inculpando o Estado por sua tradicional incompetência em manejar processos complexos de demanda social. Todavia, um olhar mais atento revelará que este mesmíssimo argumento, com sinais trocados, está presente no curso de toda peroração sobre a legalização das drogas. Por fim e não devidamente convencido da sensatez da extinção da proibição, permaneço agarrado à idéia de que o melhor caminho a ser trilhado na busca de soluções para o problema das drogas, passa pela descriminalização do uso e porte de pequenas quantidades. Temos exemplos palpáveis a seguir. Sem legalizar e sem esquecer o combate ao tráfico, há dez anos e silenciosamente, Portugal desenvolve uma política plenamente sustentável de descriminalização que vem apresentando resultados animadores.Então, por que um salto dessa magnitude no escuro?

Autor: Nelson José S. Nascimento – Aracaju(SE) – 11/12/2009

Retirado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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