segunda-feira, 28 de abril de 2014

Concurso da PM: Governo de Sergipe segue na contramão da Segurança Pública

“Na contramão dos Organismos Internacionais de Direitos Humanos, que cada vez mais reforçam a necessidade da desmilitarização das policias, e da formação policial mais humana, o Governador do Estado de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB), abriu processo seletivo para o preenchimento de 600 vagas de soldados/as da PM/SE”
 
De início quero parabenizar os amigos e as amigas que foram aprovados/as no concurso da PM, mesmo com toda a contradição disso. É completamente entendível a busca pela famosa estabilidade proporcionada por um cargo público, merecendo parabéns pelo esforço desprendido.

No entanto, não se pode deixar de fazer o debate sobre a realidade da PM no Brasil. Apenas para introduzir o assunto vale a pena destacar que desde o ano de 2012, países membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU, recomendam ao Brasil a abolição da Polícia militarizada.

Pois é, o assunto aqui é a desmilitarização das polícias no Brasil. Pra que fique bem claro, é importante frisar que a luta pela desmilitarização das polícias, não é uma luta contra os/as policiais, ao contrário, é uma luta tanto pela proteção de toda a sociedade, sem distinção e/ou preconceitos, bem como pelas próprias pessoas que compõem as chamadas “Forças Auxiliares e reserva do Exército” (art. 144, §6º da Constituição Federal de 1988).

São homens e mulheres que também sofrem diariamente dentro e fora dos quartéis, pelo simples fato de serem militares, principalmente nos casos dos/das praças, que estão sujeitos/as a qualquer tipo de ordem, a mando e desmandos de seus superiores. É certo que a lei indica que o subordinado deve se recusar a cumprir uma ordem quando esta for manifestamente ilegal. No entanto estamos falando da realidade, e não de textos (contos) jurídicos. E o que a realidade nos mostra é que “a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco”, e assim vemos diversos praças sendo presos dentro dos quartéis como punição disciplinar, ficando isolados do convívio social e/ou familiar, muitas vezes por simplesmente questionar uma ordem ou cobrar um direito, e sendo julgados não pelo Poder Judiciário, mas sim pelos seus próprios superiores. Se podemos desconfiar que o Estado Democrático de Direito da sociedade brasileira existe apenas no papel, no militarismo é certeza de quem nem no papel se encontra.

O problema do militarismo vai ainda muito além do que já apontado aqui. O militarismo é uma doutrina voltada para a Guerra, e que na formação de seus soldados/as promove o processo de desumanização e completo adestramento destes/as. É bom destacar que falo aqui como um ex-militar e não como um simples observador externo.

Qual a conseqüência deste processo de desumanização dos/as soldados/as que depois são colocados diariamente nas ruas para lidar com a sociedade civil e todos os seus problemas? Uma das polícias mais violenta do mundo. Nos últimos cinco anos a PM de São Paulo matou mais que todas as polícias dos EUA juntas. Relatórios indicam que a corporação paulista matou 6% mais que polícias americanas entre 2005 e 2009.

Para Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a diferença no total de mortes do Estado e dos Estados Unidos se deve à própria cultura geral da sociedade brasileira, que tende a apoiar os assassinatos cometidos por policiais e prega que ‘bandido bom é bandido morto’.”

Destaque-se que estas mortes são registradas como “resistência seguida de morte” e por isso deixam de ser devidamente investigadas e solucionadas. Não devemos acreditar que é um fato apenas do Estado de São Paulo. Em todo Brasil é comum a prática de tortura por partes das polícias militares, algo que está previsto como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, mas que nunca gera efetivamente punições a policiais militares.

Vimos também qual o comportamento das polícias militares em todo Brasil ao lidar com manifestações da sociedade civil. Inúmeros foram os casos de abusos cometidos por policiais contra manifestantes, além dos injustificáveis excessos no uso de armas de choque, bombas e balas de borracha. É ingenuidade pensar que eles foram mal preparados para o serviço. Ao contrário, foram muito bem preparados para uma de suas funções primordiais: reprimir todos aqueles que ousarem lutar com todas as forças por direitos para a sociedade e pelo devido respeito por parte do Estado, bem como promover o processo de criminalização dos manifestantes e movimentos sociais.

Na contramão dos Organismos Internacionais de Direitos Humanos, dos movimentos sociais, e até mesmo de muitos militares e agentes de segurança pública, que cada vez mais reforçam a necessidade da desmilitarização das policias, e da formação policial mais humana, o Governador do Estado de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB), abre processo seletivo para o preenchimento de 600 vagas de soldados/as da PM/SE.

Claro, em ano de eleição querem nos fazer crer que estão se preocupando em resolver o problema da segurança pública. Mas será mesmo que o problema da segurança pública se resolve com mais PM nas ruas? Ou será que o interesse é mais proteção para os poderosos que comandam a máquina estatal?

Podemos ver no Rio de Janeiro onde se desenvolveu o modelo de Unidades de Polícia “Pacificadora” nas favelas, sob o falso pretexto de uma guerra contra o trafico de drogas (onde na verdade o que ocorreu foi um processo de higienização social visando tornar a cidade mais “bela” aos olhos dos turistas europeus e americanos) que o resultado foi que a população hoje não sabe a quem temer mais: se o traficante armado ou a PM-RJ que comumente invade casas sem autorização judicial e continua matando pessoas sem nenhuma comprovação de ação criminosa, além dos diversos sumiços como no caso do pedreiro Amarildo.

Já passou da hora de mudarmos a forma de tentar resolver o problema da segurança pública apenas colocando uma polícia treinada para a guerra nas ruas juntos aos/às cidadãos/cidadãs. A verdadeira solução para a segurança pública passa pela efetiva garantia dos direitos sociais à toda sociedade. Segundo a antropóloga Luciane Patrício, do Ministério da Justiça, “No debate sobre segurança, ‘não entendemos a conquista dos direitos como algo estrutural para que, por exemplo, a redução dos indicadores de violência seja alcançada’.”

Para falarmos em uma sociedade segura, temos antes que falar em uma sociedade onde o Estado respeita o direito fundamental à moradia, proporcionando condições de moradia digna adequada a toda sociedade, em detrimento da concentração de propriedades inutilizadas na mão dos grandes empresários com o fim de especulação imobiliária.

Precisamos antes falar de possibilidade de trabalho, alimentação e lazer a todas e todos. Precisamos garantir o acesso à saúde, transporte e educação pública, gratuita e de qualidade, principalmente a população pobre, historicamente marginalizada e excluída dos direitos sociais.

Enquanto o foco do Estado nas políticas de segurança pública permanecer no uso das forças policiais militarizadas, continuará deixando de lado a saúde, educação, moradia, transporte e os demais direitos sociais. Contudo, sem a segurança de termos estes direitos sociais garantidos e efetivamente realizados para toda a população, jamais poderemos falar efetivamente em segurança pública para a sociedade. 
 
Wallace Teles, estudante de Direito da Universidade Tiradentes, Diretor do Centro Acadêmico de Direito, Coordenador da Federação Nacional dos Estudantes de Direito e ex-militar.
 

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