sexta-feira, 15 de maio de 2015

Poluição Sonora: A poluição que ninguém vê avança contra a saúde


Sem destaque nas discussões da Rio+20, poluição sonora cresce nas grandes cidades e já ocupa o segundo lugar como maior causadora de doenças, segundo a Organização Mundial da Saúde, à frente até da poluição da água

A Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, não dedica na versão inicial de seu Esboço Zero, documento que será entregue até amanhã aos chefes de Estado participantes, nenhuma linha à poluição sonora. Ano passado, essa poluição ultrapassou a da água para ocupar o segundo lugar como maior causadora de doenças. Nesse preocupante ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição sonora fica atrás apenas da atmosférica.

— Temos amplos temas de discussão onde esse assunto pode vir a ser abordado, de acordo com os participantes, mas no programa do debate Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável não foi criado um tópico sobre poluição sonora — admitiu a diplomata responsável pela coordenação dos diálogos na conferência, Patrícia Leite.

Mas a população tem demonstrado sua atenção ao problema: a poluição sonora foi um dos primeiros temas sugeridos no Portal e-Cidadania do Senado, onde desde o mês passado todo cidadão pode apresentar ideias para projetos de lei. Afinal, é comum nas grandes cidades os habitantes serem submetidos a diversas agressões sonoras ao mesmo tempo: buzinas, motores, anunciantes de loja, música alta em carros ou no vizinho, animais domésticos, templos religiosos, construções, grevistas, fábricas, aeroportos e ferrovias.

Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, acredita que a poluição sonora não ganha a dimensão de outros assuntos ambientais nos fóruns internacionais porque seus efeitos são locais.

— A poluição sonora é diferente de problemas como mudanças climáticas, desmatamento e poluição de rios, que têm consequências mundiais — disse o senador, que está no Rio de Janeiro participando do encontro mundial sobre desenvolvimento sustentável.

Pesquisas recentes, no entanto, demostram que a poluição sonora também causa danos a florestas e mares. Em março, o Centro Nacional de Síntese Evolucionária, dos Estados Unidos, revelou que a reprodução de vegetais é afetada porque ruídos de tráfego intenso de veículos afastam aves que distribuem pólen entre flores e mamíferos roedores que germinam sementes de espécies como pinheiros. Antes, a Organização Nações Unidas (ONU) já havia apontado risco à sobrevivência das espécies submarinas.

Na ocasião, o diretor de Ciência da Sociedade para a Preservação dos Golfinhos e Baleias, Mark Simmonds, disse que o barulho submarino feito pelo homem já provocou uma espécie de nevoeiro acústico e uma cacofonia de som em muitas partes dos mares e oceanos do mundo.

Um milhão de anos

Nas pessoas, além de zumbidos e perdas auditivas, existem efeitos no sistema nervoso central e em todos os órgãos neurovegetativos, como os do sistema cardiovascular e gastrointestinal. O psiquismo também sofre e existem alterações de sono, de atenção, irritabilidade e perda de memória. A pesquisa da OMS que avançou a poluição sonora no ranking revelou também que a população da Europa perde um milhão de anos de vida a cada ano em decorrência de problemas de saúde desencadeados — ou agravados — por exposição excessiva a ruídos.

— São males silenciosos.

A poluição atmosférica causa problemas respiratórios rapidamente evidentes, e a poluição visual é mais fácil de perceber. A exposição ao ruído só se sente individualmente e a longo prazo, muitas vezes sem se dar conta — disse a presidente da Comissão de Saúde do Conselho Federal de Fonoaudiologia, Maria Cristina Pedro Biz.

A fonoaudióloga Ana Claudia Fiorini, professora da PUC-SP, da Unifesp e ex-presidente da Academia Brasileira de Audiologia (ABA), está trabalhando em trazer para o Brasil o programa internacional Dangerous Decibels. O objetivo é, por meio de uma campanha com foco em crianças em idade escolar, conscientizar sobre a necessidade da redução de ruídos para a saúde auditiva.

— Pretendemos oficializar esse programa no país através de parceria entre a ABA e o Ministério da Educação. Por enquanto, iniciativa semelhante acontece principalmente no Dia Internacional Conscientização Sobre o Ruído, 15 de abril, quando diversas entidades científicas promovem campanhas de conscientização - explicou Ana Claudia.

Amparo contra barulho está espalhado na legislação

Criou-se uma ideia errada de que o Brasil tem uma “Lei do Silêncio” que proíbe abusar de ruídos antes das 8h e depois da 22h. Na verdade, não existe essa lei nacional e não se pode fazer barulho em horário nenhum. O que existe de fato é um conjunto de normas desde a Constituição federal (Artigo 225) até convenções de condomínio, além de políticas urbanas envolvendo órgãos federais, estaduais e municipais. Tudo varia de estado para estado e de município para município.

Mas a lei nacional pode nascer. Desde 2007, o Congresso discute o Projeto de Lei da Câmara 263, que estabelece diretrizes, critérios e limites na emissão de sons e ruídos de qualquer natureza. A ele foram apensados outros três projetos, e atualmente tudo está em análise na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.

— Nossa cultura legalista faz a gente precisar de leis, mas é importante conscientizar o cidadão de que mesmo ruídos que ele despreza, como o de um ventilador durante a noite toda, podem causar problemas quando são constantes — alertou a fonoaudióloga Maria Cristina Biz.

Da legislação federal em vigor, além da Constituição, aplicam-se à poluição sonora a Lei 9.605/95 (Crimes Ambientais), o Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e a Lei 10.406/02 (Código Civil).

Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelecem critérios e limites para ruídos de carros, motos e eletrodomésticos, por exemplo. As principais são as 1 e 2, de 1990. Mas é raro ver a aplicação de algumas ações. O Programa Nacional de Educação e Controle de Poluição Sonora (Silêncio), por exemplo, prevê a introdução do tema, por municípios e estados, no ensino médio, entre outras coisas. O selo Ruído, também de acordo com as resoluções, teria que ser fixado em todos os eletrodomésticos que geram ruído, para o consumidor escolher o menos barulhento.

Devido à diversidade de leis, as polícias militar ou civil sempre devem ser procuradas para informações sobre o que fazer ou para registrar queixa e impedir que o problema continue. O contraventor ou criminoso (dependendo de o fato atingir a tranquilidade ou a saúde) pode ser multado, condenado a indenizar a vítima ou até preso.

Trabalhadores correm risco pela exposição constante

Depois de sete anos dando cerca de seis horas diárias de aulas de ginástica com música alta, para estimular o exercício dos alunos, o preparador físico João Adala começou a ouvir um zumbido constante e sentir irritabilidade. Exames revelaram que ele perdeu 12% da audição devido à forma como exercia a profissão.

— Hoje só trabalho com musculação, sem música alta, e faço exames de seis em seis meses. Os 12% não aumentam mais, mas continuam. É irreversível — disse João.

A poluição sonora pode atacar profissionais das mais diversas categorias: operários, motoristas, bancários, funcionários de aeroporto, qualquer uma. Para evitar isso, o Ministério do Trabalho determina, em sua Norma Regulamentadora 15/78, que o nível médio máximo para uma jornada de oito horas seja de 85 decibéis.

— A cada 5 decibéis de acréscimo, o tempo máximo permitido se reduz à metade. Ou seja, para uma exposição de 90 decibéis, o máximo será de quatro horas e assim por diante. A perda auditiva acontece nos casos de exposição continuada, muito comum no ambiente de trabalho — disse Ana Claudia Fiorini.

Em alguns casos, devem ser fornecidos protetores ¬auriculares aos trabalhadores. A fonoaudióloga adverte, porém, que o problema pode não ter relação com o trabalho, mas sim com atividades como o uso constante de fones em alto volume ou frequência de locais com música amplificada.

Para trabalhadores da indústria, é comum a perda auditiva induzida pelo ruído.

— Quando há um som constante no ambiente de trabalho, a pessoa acaba de adaptando e deixa de se incomodar, mas o organismo segue sofrendo. Isso abre as portas para as doenças — alertou a especialista Maria Cristina Biz.

Ela explica também que, muitas vezes, a dificuldade de se comunicar num ambiente de poluição sonora gera ainda problema de voz, porque o profissional acaba aumentando o volume ao falar.


Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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