domingo, 6 de setembro de 2009

Entrevista - Jarbas Adelino

Texto: Antônio Carlos Garcia

Dificilmente alguém passa incólume pela Auditoria Militar de Sergipe. É que 70% dos processos ali julgados resultam na condenação dos acusados. São diversos tipos de crimes previstos no Código Penal Militar, a exemplo de abandono de posto, peculato, corrupção passiva e ativa, crimes contra outro militar, crimes contra o patrimônio, entre outros.

A estimativa é do promotor de Justiça, Jarbas Adelino Santos Júnior, 38 anos, ao explicar que ocorrem de 15 a 20 julgamentos por mês, o que dá uma média de quatro ou cinco por semana. Os júris acontecem sempre às terças-feiras. Embora haja as condenações, o promotor espera que haja mudanças na lei, pois, muitas vezes, depois de ter cumprido a pena, o policial militar volta para a corporação, a fim de exercer suas atividades.

Uma mudança na lei está sendo analisada no Supremo Tribunal Federal. “A Constituição cria um foro privilegiado para o policial que só pode ter decretado a perda do cargo público por uma decisão do Tribunal de Justiça. É um mandamento constitucional, é passível de críticas. Isso porque, muitas vezes, um policial condenado por crime grave, continua dentro da corporação.

“Infelizmente é assim que a Constituição manda, mas isso está sendo revisto”, disse o promotor que está há dois anos e quatro meses atuando na Auditoria Militar. Ele alerta que a população deve denunciar os maus policiais, e garante que na Auditoria não há corporativismo, mas profissionalismo. Na última quarta-feira, ele concedeu entrevista para o JORNAL DA CIDADE. Leia os principais trechos.

JORNAL DA CIDADE - Como é a rotina da Auditoria Militar. Existem processos complicados, demorados?
JARBAS ADELINO - Temos momentos que é muito complexo. Nós vivemos há três, quatro meses, um momento muito atribulado, com as reivindicações salariais dos militares, mas no geral é uma Vara Criminal com problemas iguais à qualquer outra, com processos mais complexos, outros mais simples.

JC - Em média, quantos processos tramitam na Auditoria Militar?
JA – Tramitam, mais ou menos, cerca de 500 processos. Teve uma época que foi bem mais. Não só com o juiz Diógenes Almeida, mas outros substitutos também deram uma celeridade muito grande por lá.

JC - Mas, observamos que muitos processos vêm sendo resgatados. Foram processos que não andaram? O que aconteceu?
JA – O processo penal militar, por ele ser regido por lei específica e ter peculiaridades, em determinados momentos demora mais que um processo criminal comum. Se nós compararmos um processo criminal comum com os atos processuais que são praticados na Auditoria, vamos perceber que há uma complexidade maior. Mas, nas últimas administrações vimos celeridade. Não desenterramos nenhum processo, mas é o trâmite normal.

JC - Na semana passada ocorreram cinco julgamentos na Auditoria. Qual a média, por dia?
JA – Na realidade fazemos julgamentos às terças-feiras. Excepcionalmente, na última semana de agosto, fizemos na quinta-feira. Mas toda terça-feira realizamos cerca de quatro a cinco julgamentos, então sai uma média de 15 a 20 julgamentos por mês, porque um ou outro, às vezes, não se realiza.

JC - E nesses julgamentos, muitos militares são condenados? O senhor tem isso em números?
JA – Não tenho essa estatística exata, mas poderia dizer com tranquilidade que, em torno de 70% dos processos resultam em condenação. Para você ter uma ideia, na última quinta-feira, nos quatro julgamentos realizados todos foram condenados.

JC - Com esse número de condenações o cidadão pode passar a acreditar que não há corporativismo dentro da Polícia Militar?
JA – Não há corporativismo. A regra não é essa. O corporativismo, por si só, ele não é ruim. Mas, só é ruim quando utilizado numa situação irregular, ilegal. Na maioria das vezes o corporativismo não impera na Auditoria. Temos uma monografia de um capitão da Polícia Militar, realizada no ano passado sobre os julgamentos e percebemos, nesse estudo, que na grande maioria dos processos, houve condenação. Obviamente, vai haver absolvições, porque isso é natural. Até porque, quando ofereço a denúncia contra um militar, a prova que foi produzida ainda não está sob o crivo do contraditório. Ainda não teve a participação efetiva do acusado na produção de provas. Então, às vezes, com a confecção de laudos, ouvidas de testemunhas, percebemos que aquilo que foi investigado não foi exatamente o que ocorreu. E aí não resta alternativa a não ser a absolvição.

JC - Mas a grande maioria da população tem uma leitura diferente. Ela acha que não dá em nada denunciar policial, o povo sente medo de denunciar um policial. Então, que conselho o senhor daria a uma pessoa que for maltratada por um PM?
JA – Recomendo que busque os meios legais e denuncie qualquer abuso praticado por policial. A população e hoje, com a mídia livre e a imprensa cada vez mais investigativa, tem um papel fundamental nesse processo de tentar punir aqueles maus policiais. O juiz e o promotor, ou até mesmo o oficial ou o comandante, não estão em todos os lugares ao mesmo tempo. É impossível estar em todos os locais. Então, cabe a população fazer as denúncias. E elas serão devidamente apuradas. Ou através da própria Ouvidoria de Polícia, no Controle da Atividade Externa ou numa delegacia de polícia. É importante que a população não se cale diante dos abusos. Isso faz parte de um aperfeiçoamento institucional.

JC - O senhor está analisando o processo dos militares que reivindicavam melhores salários para categoria. Como está esse processo hoje?
JA – Naquele processo já foram realizados os interrogatórios dos acusados e está designado, audiência de instrução em outubro, com a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação. Depois será dada a oportunidade para que todos os acusados produzam suas provas, arrolem testemunhas e, ao final, serão submetidos a julgamento perante o conselho especial de justiça, formado pelo juiz auditor e quatro oficiais.

JC - O senhor tem em mãos outros processos polêmicos, que causaram clamor popular?
JA – Vez por outra acontece de um processo ter uma repercussão maior. Há poucos meses, tivemos um coronel da Polícia Militar, sua atuação foi objeto de denúncias pela própria imprensa. E nós realizamos há três meses esse julgamento, que foi resultado, inicialmente, de uma denúncia da imprensa, que resultou numa investigação, depois um processo e, por fim, a condenação. Por esse processo a gente percebe que o corporativismo não impera, porque estávamos julgando um ex-comandante de uma corporação. E mesmo assim, embora não tenha sido por unanimidade, houve a condenação. Não estamos querendo dizer que, por si só ele é culpado. Ele recorreu e tem todo direito. Mas isso demonstra que a atuação da Auditoria não busca, somente, a punição do praça. Ali, participamos de processos que fazem parte como réus soldados, cabos, sargentos, oficiais – desde tenente a coronel.

JC - Como está o processo do tenente-coronel Eliezer dos Santos, que foi diretor do Presídio Militar (Presmil)?
JA – Aquele processo está pronto para julgamento. Acredito que ainda este ano, realizaremos o julgamento dele. É bom frisar que o tenente-coronel Eliezer não foi processado pelo fato de ter deixado a imprensa entrar no Presmil, mas pela acusação de ter adulterado a sua ficha disciplinar. O oficial já está em liberdade.

JC - Quando o policial responde processo ele perde direito a ascender a outras graduações?
JA – A lei que regulamenta a promoção proíbe este benefício aqueles que estiverem respondendo a processo. Se ele for absolvido poderá ser promovido imediatamente. Se for condenado, durante a condenação e cumprimento da pena não poderá ser promovido. É importante frisar que, se por acaso perder uma promoção em razão do processo, assim que for absolvido poderá ser promovido por preterição, com ressarcimento de tudo aquilo que deixou de ganhar. Existe esse dispositivo e alguns dos operadores do Direito, às vezes mais apressados, entendem que essa norma é inconstitucional, mas o Superior Tribunal Federal, em casos idênticos no Ceará e em Goiás, já declarou a constitucionalidade das leis estaduais que proíbem a promoção de militares que estão sendo processados.

JC - E em quais casos o militar é condenado e depois expulso da corporação?
JA – Atualmente, o policial militar que é condenado a uma pena acima de dois anos, depois de transitado e julgado, é necessário que a Procuradoria Geral de Justiça ofereça representação para perda do cargo junto ao Tribunal de Justiça. A Constituição cria um foro privilegiado para o policial que só pode ter decretado a perda do cargo público por uma decisão do Tribunal de Justiça. É um mandamento constitucional, é passível de críticas.

JC - Por quê?
JA – Porque, muitas vezes, um policial condenado por crime grave, continua dentro da corporação. Infelizmente é assim que a Constituição manda, mas isso está sendo revisto.

Fonte: Jornal da Cidade

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