domingo, 12 de setembro de 2010

Justificativas sociais para a reestruturação do cargo de agente de polícia judiciária para o nível superior

“A quem interessa um policial ganhando R$ 800 por mês?
A quem quer corrompê-lo bem barato”.
(Marina Maggessi – Deputada Federal: ISTOÉ-20/12/2006)

Não obstante a vertiginosa escalada do crime organizado e sua constante especialização e diversificação, é latente o sucateamento das instituições policiais em todo o país, sobretudo no que diz respeito à Polícia Civil, constitucionalmente responsável pela persecução penal. Nesse contexto, pergunta-se: — Estarão as polícias civis preparadas para acompanhar a evolução do crime, que, sem ilusões, cada dia torna-se mais complexo e sofisticado? Estarão as polícias civis aptas para atuar em consonância com o princípio da multidisciplinaridade que deve permear a investigação técnico-científica capaz de produzir provas que garantam a condenação do indivíduo-infrator sem a necessidade de recorrer à abjeta prática da confissão sob tortura?

Diversos autores, a exemplo do Percival de Souza, autor do documentário PCC o sindicato do crime, demonstram o interesse de ramificação e expansão por parte de setores do crime organizado, inclusive custeando cursos para futuros funcionários do crime com intuito de infiltra-los em setores estratégicos do serviço público, com destaque para as instituições policiais. Só este motivo já deveria ser razoável para se discutir formas de tornar o mais restrito possível o acesso às carreiras policiais. Contudo, apesar de relevante, este não é nem de longe a principal justificativa a ser considerada.

Tradicionalmente as polícias estaduais tem sido tratadas como setores de assistência social com foco na geração de emprego para jovens sem qualificação, refletindo uma visão equivocada de que investigar é função pouco complexa baseada na busca de testemunhas e extração de confissões e por isso mesmo podendo ser acessível a literalmente qualquer um, sem atentar para a óbvia constatação formalizada no Plano Nacional de Segurança Pública elaborado pelo Governo Federal, onde no capítulo “Mudanças nas polícias Militares e nas polícias civis para implementação do Sistema Único de Segurança Pública” constata que “quanto mais técnica e ciência na investigação, menos violência”.

Há de se ter em mente que investigar, focando os subsídios que possam ensejar na condenação gera a necessidade de estruturas específicas, planejamento, elaboração de vários documentos, compreensão de matérias como: contabilidade, direito, administração, finanças, informática, engenharia, química, mecânica, telefonia, radiocomunicação etc., sendo óbvio que se trata de conhecimentos mínimos, mas necessários. Hoje, no mundo, a bem da verdade, as policiais judiciárias mais eficientes, como a americana (FBI), a inglesa (Scotland Yard), a francesa, a canadense, a alemã etc., são altamente qualificadas, leia-se Agentes (investigadores) com nível superior, e por isso mesmo mundialmente respeitadas.

Igualmente há de se constatar que operações efetivas de combate ao crime, sobretudo ao organizado, como o Tolerância Zero em Nova York e a Operação Mãos Limpas na Itália, somente obtiveram êxito porque pautadas no tripé valorização do Agente, Corregedoria forte e planejamento pautado em critérios técnicos. Mas não é preciso sair do país para perceber os reflexos que podem advir da reestruturação do cargo de Agente de Polícia Judiciária para o nível superior. Vide a nossa Polícia Federal (a Polícia Civil da União).

Se hoje ela tem autonomia de ação que lhe permita investigar e prender àqueles que adotem condutas delitivas, independente do estrato social que ocupem, isto nada mais é do que o reflexo da oxigenação e qualificação decorrente da reestruturação do cargo de Agente Federal para o nível superior através da Lei nº 9.266/1996. Se somente em 2007 viu-se à prisão de Zuleido Veras e outros que em 2001 já eram denunciados pela revista Época como lesivos ao erário, isso é graças à qualificação e independência da Polícia Federal cujos cargos somente são acessíveis a parcelas cada vez mais restritas da sociedade.

Não é à toa, portanto, que o plano de Modernização da Polícia Civil Brasileira, de autoria da Secretaria Nacional de Segurança Pública em 2005, propõe:

"Agente Policial, igualmente autônomo em sua posição especializada na equipe interdisciplinar de investigação, graduado em nível superior, universitário, é o profissional capaz de manejar adequadamente as múltiplas tecnologias exigidas pelo ato investigatório, tanto quanto executar procedimentos de segurança da equipe profissional, interagir com a política de inteligência, efetuar ações de esforço físico contra eventuais resistências à autoridade do Estado e, também, as complexas atividades de natureza cartorial, desta feita concebidas num sistema moderno, ligado à atividade de inteligência e pressupondo uma execução fundada na gestão de conhecimentos".

Afinal, como definido na Constituição Federal, à Polícia Civil atribui-se a missão de executar a política de apuração das infrações penais e de polícia judiciária, desempenhando a primeira fase da repressão estatal, de caráter preliminar à persecução processual penal, oferecendo suporte às ações de força ordenadas pela autoridade judiciária. A partir do quê, a percepção de que tal empreendimento exige posturas altamente profissionalizadas por técnicas de gestão e ação operativa, tudo conforme a legislação nacional e os tratados internacionais, particularmente no que se refere ao respeito pelos direitos fundamentais do homem, segundo fartamente gravado no ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, seguindo a ordem natural das coisas, qual seja, a de evoluir, concluímos que todo policial civil tem que ser valorizado e qualificado para melhorar a segurança pública, ou seja, o cargo de Agente de Polícia Judiciária deve ser um cargo de nível superior; fazer o caminho inverso, diminuindo a qualificação de seus integrantes ou estagnar sua estrutura, não seria a melhor forma de atender as necessidades da sociedade, quer as prementes, quer as futuras, pois como com muita propriedade informa Luiz Eduardo Soares, uma das maiores autoridades em segurança do país: carros, motos e reformas de nada adianta pois: “Nenhum esforço,entretanto, será capaz de atingir os objetivos visados por um projeto radical de reforma, se não vier acompanhado da valorização dos policiais”.

Ricardo dos Reis Tavares - Aracaju(SE) - 14/08/2010
Presidente do SINPOL - Sindicato da Polícia Civil

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares