Edmilson Lopes Jr
De Natal (RN)
Há mais de uma década, uma vez ou outra, ministro uma disciplina ou participo de atividades em Academias de Polícia. É um grande desafio articular proposições que permitam um diálogo produtivo em temáticas tão carregadas de lugares-comuns e preconceitos quanto aquelas dos direitos humanos ou sobre os movimentos sociais. Posso afirmar que a tensão inicial que me toma de assalto, após aceitar o convite, é sempre recompensada, após o término do curso, tanto pelas novas amizades conquistadas quanto pelos debates estimulantes de que tenho o privilégio de participar.
A relação entre a Universidade e os corpos policiais ainda é pouco consolidada no Brasil. Preconceitos mútuos erigem barreiras quase intransponíveis. Precisamos superá-las, pois, todos nós teremos muito a ganhar com a intensificação das parcerias entre o mundo acadêmico e as corporações policiais. Para que isso venha a ocorrer, entretanto, é fundamental a superação de algumas posturas de ambos os lados. Da Universidade, especialmente dos seus professores e pesquisadores que se dispõem a colaborar com o processo formativo nas Academias de Polícia, exige-se tanto sensibilidade antropológica para tratar com esse "outro" que é policial quanto firmeza para não negociar princípios e valores caros à formação acadêmica no nosso país. Isso implica, dentre outras coisas, em uma vigilância forte para não deixar que as universidades apenas legitimem cursos reprodutores de velhos e superados dogmas do treinamento policial.
Por outro lado, as polícias não podem continuar tratando as parcerias com as universidades, e em especial os cursos por estas ofertados, como meros acessórios. Como se o que as universidades têm a oferecer fossem meras complementações aos "processos formativos práticos" que se dão nas academias. Nesse sentido, não é mero acaso que as Universidades sejam chamadas pelas polícias, na maioria das vezes, para ofertar cursos para oficiais. Ou seja, para quem já incorporou fortemente as normas e valores das instituições.
Em realidade, para impactar positivamente a formação policial no país, as universidades precisariam elaborar propostas formativas para a grande maioria dos corpos policiais. Assim, o avanço pedagógico representado pela Matriz Curricular Nacional, formulada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, sairia do terreno da retórica e tornar-se-ia componente decisivo na formação de nossos policiais, contribuindo para que a conjugação entre segurança pública e cidadania seja algo mais do que um recurso de retórica.
Em uma de minhas primeiras incursões, como professor, em uma Academia de Polícia, um soldado foi incumbido de me levar, após as aulas, para o hotel em que eu estava hospedado. No trajeto, este não se conteve: "Professor, essa polícia aí com a qual o senhor está convivendo, só existe aí, viu? A polícia de verdade é outra, não é essa dos oficiais, não". O que o soldado estava fazendo questão de chamar a atenção era para o fosso que separa nas nossas polícias militares o mundo dos oficiais daquele dos praças. Ora, esse é um fosso que tende a ser alargado quando as nossas universidades, mesmo as públicas, formatam propostas pedagógicas apenas para a elite da tropa.
As universidades podem (e devem) contribuir para a emergência de uma nova elite na tropa. Uma mais conectada e representativa da diversidade existente na base, na "polícia de verdade". Para que isso ocorra, as universidades devem propor cursos de formação, em nível de graduação, dirigidos ao contingente de policiais recém-incorporados. De que forma? Através da oferta de cursos de graduação (de segurança pública, por exemplo) com cotas reservadas para membros dos corpos policiais.
Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Fonte: Terra Magazine
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