sábado, 19 de janeiro de 2013

Quem organiza mesmo o Pré-Caju?

Ainda hoje, passando pela Avenida Beira-Mar, aquela que ao invés do mar, beira o Rio Sergipe, encontrei outras contradições. Mais agudas, mais gritantes. Estava sendo desmontado o restante da estrutura da “maior prévia carnavalesca do Brasil”. Arquibancadas, placas e camarotes. Apenas homens desempenhavam essa função. Todos negros, segundo pude observar. Veio-me então a seguinte reflexão: quem é que organiza mesmo o Pré-Caju? Lembrei, no mesmo instante, de todos os motoristas de trio, catadores e catadoras de latinha, policiais militares e guardas municipais, cordeiros, ambulantes, seguranças, garçons, e tantas outras pessoas e atividades que são desempenhadas antes, durante e depois da grande “festa”.

Pode parecer uma lembrança estranha. Mas na verdade é uma lembrança como qualquer outra, apenas de um ponto de vista diferente. O ponto de vista da classe trabalhadora. Aqueles que olham o evento como uma forma de emprego, subemprego, ou simplesmente uma forma de conseguir qualquer ganho. Não há diversão em dirigir os trios, armar arquibancadas ou vender latinhas de cerveja. Há necessidade. A imprensa não costuma dar atenção a estas pessoas. São invisíveis, mesmo existindo lado a lado com os turistas. E o mais importante: são os que realmente garantem a existência da prévia. Deveriam ser os mais bem remunerados, os que deveriam ter mais atenção. Mas a contradição e o preconceito insistem. São abadás que chegam a custar em uma única noite muito mais do que o dinheiro ganho por boa parte desses trabalhadores ao longo dos quatro dias.

Se existissem apenas Fabiano Oliveira e a prefeitura de Aracaju não teríamos Pré-Caju. Os trabalhadores negros são indispensáveis para fazer girar a engrenagem. Assim como foram com a cana-de-açúcar, com o ouro, com o café, e até hoje seguimos no mesmo rastro histórico de uma pequena elite que lucra muito em cima de uma grande massa negra explorada. Além dos trabalhadores, os negros também se destacam em outros espaços ao longo da “folia”. Os pouquíssimos, mais sortudos, estavam nos camarotes e em cima dos trios, alguns inclusive comandando a multidão. Mas a maioria estava mesmo na “pipoca” – um local reservado para aqueles e aquelas que não têm dinheiro para entrar nos blocos ou não tem influência política para estar nos camarotes e, muitas vezes, é a única ou uma das poucas oportunidades de tentar se divertir, pois não precisa pagar nada. Temos também os mais azarados, vítimas de furtos e roubos e até mortes por esfaqueamento. Há negros para todo lado. Para todo gosto. Até mesmo, porque segundo o IBGE, Sergipe é 8º estado do Brasil com maior população negra.

Pensando bem, não sei se é possível pedir que fosse diferente. Dentro da lógica do Pré-Caju não sei se caberia pedir blocos abertos, boa remuneração para os profissionais ou prioridade para a cultura local (pois o evento apesar de ter domínio e destaque para as bandas baianas, acontece em Aracaju). Tenho a impressão de que o evento sobrevive apenas porque tem esse formato desigual e opressor. Recentemente foram várias as denúncias em relação a essa festa privada, que tem apoio irrestrito do poder público. Declarações como a de que Sergipe é o quintal da Bahia foram dadas por artistas. Será que esse formato de festa não deveria acabar? Essa é uma reflexão que levanto, mas uma coisa é certa: quem organiza e faz acontecer o Pré-Caju, sem sombra de dúvidas, são os negros e negras que até hoje resistem, pois mesmo trabalhando em toda a estrutura da festa, continuam do lado de fora da brincadeira das “vibrações positivas”.

*Alexis Pedrão é negro, merendeiro escolar, militante do Mov. Não Pago e presidente do PSOL em Aracaju.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares