terça-feira, 24 de abril de 2018

PM Reformado: “Quem dera fosse puro esse tal critério de Merecimento”


Um policial militar da reserva remunerada da Polícia Militar de Sergipe, devidamente identificado, mas que pediu para não ter seu nome revelado, enviou um e-mail para a redação onde ele faz um desabafo ao comentar sobre as promoções por merecimento, que para ele é um “modelo defeituoso”. “Aos promovidos por antiguidade: parabéns pela paciência. Capote não é coisa boa; aos promovidos que realmente merecem: lutem pela extinção desse modelo defeituoso, os senhores têm o respeito da tropa; e, aos promovidos por cotas: melhorem, façam por merecer de verdade a partir de agora. Os seus familiares não merecem esse descontentamento”.

O militar continua e diz que gostaria que o critério de escolha por merecimento fosse “puro”. “Quem dera fosse puro esse tal critério de merecimento. Não queremos um tipo de merecimento que desmereça a quem realmente merece, entendeu? Tudo bem, sei que você não pensa muito”, disse.

Passei a maior parte da minha vida policial na graduação de Sargento da PMSE. Lendo hoje o resumo da obra de Almeida (meados do século XIX), a partir desse fragmento de texto, decidi brincar de escrever e contar um pouquinho das metamorfoses a que temos e tivemos que nos submeter nos últimos vinte ou trinta anos para galgar promoções na nossa querida Instituição. Tem-se promoção de todo tipo e para todo gosto…

O meu concurso para ser 3º Sargento foi aberto para os militares da caserna e para os civis. Sim, o público externo podia ingressar na PMSE na condição de 3º Sargento, após aprovado no concurso e curso de formação específico[2].

Hoje, isso já não é possível por conta da extinção dos processos meritocráticos para as graduações de praças na PMSE. Andamos para trás – opinião minha. Com isso, não quero dizer que sou contra a promoção por antiguidade. Não mesmo. Mas esgotar a possibilidade de ascensão da carreira de Praças apenas pela antiguidade é, grosso modo, desmotivar o militar da atitude de se debruçar e se destacar intelectualmente num certame que poderá antecipar a sua promoção por tempo de serviço. Ou seja, o militar mais antigo teria duas chances para a sua promoção. Por tempo de serviço e por merecimento intelectual. Essa inquietação intelectual elevaria o perfil do nosso policial militar, que hoje se arrasta pelo túnel do tempo na busca por uma promoção a Cabo ou Sargento, que, quando acontece, já bate apressadamente à porta da reserva remunerada. As promoções não são mais tão cintilantes como dantes. Não quero nem entrar na questão dos formatos dos cursos de formação de Cabos e Sargentos, o texto vai ficar muito pesado. Mas vale advertir que a meritocracia intelectual é conceito extinto nas cadeiras formativas da PMSE.

Entendo que precisamos tanto da experiência quanto do fervor intelectual e físico do militar para funções de comando de frações policiais nas ruas. Isso estimularia inclusive a permanência dos novos policiais na instituição. Sabemos que, diante das frustrações explanadas, muitos dos jovens policiais deixam de compor os nossos quadros em virtude dessas condicionantes para as promoções na caserna. Senhores Oficias, há espaço para ambos os perfis no preenchimento das graduações na PMSE.

E você, que é simpático às promoções por outros critérios, como o tal merecimento, não pretendo ter a sua simpatia. O merecimento a que me refiro é o intelectual, entendeu? Observe o seu reflexo nas polidas maçanetas que você escolheu trocar pelo seu juramento e verá que deixastes de ser essencialmente um policial há um certo tempo. Quem dera fosse puro esse tal critério de merecimento. Não queremos um tipo de merecimento que desmereça a quem realmente merece, entendeu? Tudo bem, sei que você não pensa muito. Desenharei depois.

Esse tal critério de merecimento é o mesmo que fez, há poucos dias, borbulharem legislações temporárias, no estilo de alguns ministrecos daquele paizinho que já conhecemos (lá eles chamam juízes de primeira instância de juizecos, não é?). E qual seria mesmo o tal estilo? Respondo: – Conferir casuísmo às leis, quando deveriam zelar pela impessoalidade e imparcialidade na sua aplicação e nos seus efeitos. Nada disso… tudo na medida e peso do cliente.

Esse tal merecimento é o que desmerece e desmoraliza a Comissão de Promoção de Oficiais (CPO). Para que ela serve? Nada. Temos hoje, por exemplo, três majores que serão promovidos a Tenentes Coronéis por antiguidade. Ou seja, a CPO não tem ingerência nenhuma. Apenas formaliza o feito. Quanto às 7 ou 8 vagas pelo critério de merecimento, eu não preciso explicar mais nada. Eis o motivo de entendermos que de nada serve a CPO para ditar os destinos da loteada PMSE. Tudo funciona como um verniz que vela as rodas de capoeira, que nas suas últimas edições proporcionou rasteiras espetaculosas, há alguns segundos do berimbau silenciar. Xeque-Mate na CPO, esqueçam as pontuações.

Mas nem tudo está perdido. Sabemos que muitos dos que são apontados por caciques políticos como sendo merecedores de promoções realmente são grandes gerenciadores de segurança pública e exercem sadia liderança entre os seus comandados.

Me pergunto como se sentem os Oficiais que hoje figuram na desfigurada CPO. Difícil saber. Mas me arrisco em dizer que o tamanho da frustração deles pode variar muito. Por exemplo, se foi na esteira desse modelo de promoções que os componentes da atual CPO foram promovidos, podemos acreditar que em isso nada os abalará. E roda a roda.

No fundo, como está hoje, penso que um funcionário terceirizado, com um telefone disponível (abastecido com agenda dos VIPs), e que opere minimamente o Excel e o Word conseguiria sozinho substituir a esvaziada CPO. Sairia mais em conta, sem falar que deixariam livres os Oficiais da Comissão para pensarem uma segurança pública mais efetiva. Afinal, alguém tem que se preocupar com o universo lá fora. Quanta energia desperdiçada!

De resto, a minha merecida reserva remunerada ainda me inquieta. A PMSE não é mais a mesma, e nem poderia ser, os tempos são outros. Mas a ideia que tenho é a de que regredimos. Os nossos cardeais não são mais os nossos Oficiais de carreira. A sensação é a de regredimos e ressuscitamos uma espécie de coronelismo que privilegia as disputas por prestígio e poder. O povo, a violência lá fora? Depois a gente conversa… Tenho certeza que o nosso último ex-governador e o nosso atual líder do executivo não reservaram cotas do merecimento. Ou sim?

Enquanto isso, oficiais que não têm tempo para dar entrevistas, ou mesmo de lustrar maçanetas, ocupados com a crescente onda de violência, por não serem vistos e tão pouco lembrados, passam longe das avaliações (moralmente desvalidas).

Na base do oficialato, aqueles da linha de frente, falhou feio o planeamento da PM quando deixou de promover, por aproximadamente dez anos, concursos para Oficiais. Praticamente, não existem mais 2º Tenentes, e a maioria dos 1º Tenentes já migra para o quadro de Capitães. Um vácuo administrativo que certamente vai gerar um grande desconforto nos próximos anos. Quando chegarem os novos Aspirantes a Oficiais, se vingar realmente o concurso, estaremos com um vazio entre doze e treze anos sem que os claros estejam ao menos iniciando o seu processo de preenchimento. Muitos caciques para poucos índios, não?

Acordemos, Oficiais e Praças. Honremos as nossas famílias e sociedade como um todo. A começar por uma posição equidistante e crítica de caciques políticos. Não se trata de demonizar a política em si. Mas, sim, de reprovar a política dos sussurros. Invariavelmente, o que resta desse tipo de prática não conseguirá atrair mais do que moscas.

Aos promovidos por antiguidade: parabéns pela paciência. Capote não é coisa boa; aos promovidos que realmente merecem: lutem pela extinção desse modelo defeituoso, os senhores têm o respeito da tropa; e, aos promovidos por cotas: melhorem, façam por merecer de verdade a partir de agora. Os seus familiares não merecem esse descontentamento.

O militar termina ironizando, ao afirmar que quem assina a nota, é “um militar da RR que nunca foi promovido por merecimento imerecido. (preferi os livros e, pacientemente, aguardar a minha vez)”, concluiu.

Munir Darrage

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