Ricardo dos Reis Tavares - Aracaju(SE) - 15/06/2010
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis
Mesmo após décadas de existência, as polícias brasileiras ainda engatinham na busca da construção da sua identidade enquanto garantidora dos direitos fundamentais dos cidadãos
Desde 1871 que a Justiça e Polícia estão separadas no modelo punitivo pátrio. Se até então faziam parte da mesma organização, hoje, fora dos polidos discursos dos salões, acumulam-se dificuldades de entendimento entre ambas, por motivos os mais diversos. É de se perceber o quanto este processo se adéqua ao processo de assepsia institucional que viveu o Judiciário, passando pela total desvinculação da operacionalização da aplicação da pena, hoje afeta às secretarias de justiça vinculadas ao Poder Executivo, cabendo-lhes apenas as nobres funções superiores.
E, como consequência direta desse processo, os integrantes do Judiciário gozam de um respaldo social ímpar. São unanimemente amados e temidos, simultaneamente. Ao passo de não gerar significativo clamor o fato de que, na prática, a maior punição real aplicada à maioria dos magistrados que eventualmente se envolvem em eufemísticos “desvios de conduta” seja a aposentadoria.
Mas, você pode estar se perguntando, qual a relação disto com assunto de polícia, já que este é um texto escrito por um integrante da polícia civil sergipana? Ocorre que, paulatinamente, conforme as instituições judiciais foram, meritoriamente, restringindo-se à parte mais nobre da aplicação da “justiça”, outras entidades passaram a ter que abarcar o chamado “serviço sujo”. Seja o de investigar e registrar por meio do Inquérito Policial (resquício do tempo em que a Justiça e a Polícia eram uma coisa só), seja o de custodiar em ambientes fétidos àqueles que no espaço imponente dos tribunais, receberam ou ainda receberão a definição a ser cumprida.
Assim, ao passo que se assistiu ao enobrecimento dos órgãos judiciais, viu-se deteriorar-se a imagem das instituições policiais. O que é natural, já que são elas que sujam as mãos. E viu-se mais, viu-se serem-lhes imputadas atribuições para as quais não possuem qualquer respaldo, tanto legal como técnico. Hoje, não causa estranheza à imprensa, à sociedade, ao Ministério Público ou mesmo à Procuradoria do Estado o fato de um delegado sergipano ter que ser desviado da sua função de proteger à sociedade para atuar como chefe de segurança no Judiciário.
É isso mesmo. Um delegado, pago e vocacionado para a presidência de inquéritos que visem garantir à condenação de criminosos é, com base em lei estadual, nomeado para cargo em comissão voltado para a segurança do Tribunal de Justiça. Ou seja, uma função para a qual seu treinamento é totalmente inócuo. Mas a visão, inclusive para o senso comum, é de que a polícia é subordinada ao Judiciário. Daí ser comum que policiais civis sejam intimados à revelia da forma legal, ou que delegacias recebam determinações para localizar e intimar pessoas para audiências judiciais, o que só para constar, é atribuição do oficial de justiça.
Mas se não tem oficial de justiça, manda um policial. Se não tem carceragens o suficiente, empurra os presos para as delegacias. Se não tem estrutura, mero detalhe. Afinal é o Estado mesmo quem é condenado por não fornecer a alimentação para os presos de delegacias. O que, diga-se de passagem, é possível constatar em rápida consulta jurisprudencial dos acórdãos do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Ou seja, a Polícia Civil, que não recebe nem um centavo do Fundo Penitenciário Nacional, é responsável por custodiar centenas de presos, comprometendo assim sua receita, estrutura física e de pessoal ao ter que direcioná-la para o atendimento de uma demanda que tão somente lhe rende ônus. Sem falar que é relativamente comum, sobretudo no interior, que pessoas sejam condenadas às penas alternativas, e em alguns casos mais raros ao regime aberto, e o cumprimento da pena se dê em uma delegacia. E os poucos que recorreram, não tiveram sucesso já que há farta jurisprudência estadual no sentido de que não há problema algum nesta situação.
Sei que a primeira impressão de quem quer que esteja lendo é de que se está afrontando à magnanimidade do Judiciário. Normal, não há uma cultura de críticas, que o diga a polícia, cotidianamente tão carente de capacidade de autocrítica. Não se quer minorar a relevância social do magistrado, pelo contrário. A questão aqui é outra. É demonstrar que a descrença do aparato policial faz parte de uma construção histórica, da qual nem os juízes, nem os policiais tem culpa, mas que por estarem inseridos tem por obrigação terem uma visão crítica à respeito.
A imagem pejorativa da polícia não decorre da relação que o senso comum faz entre ela e a famigerada “Ditadura Militar”, até porque, o que não faltou para ela foi o apoio de integrantes de todas as categorias sociais. Ela é, como já dito e repetido, uma construção histórica. Uma barreira que tem tido como consequência direta o que alguns chamam de “judicialização do modelo policial”. Algo bastante diverso do que ocorre em países como os Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros onde a formação policial é específica. Ou seja, o conhecimento jurídico é tratado como ferramenta importante, mas não a mais importante. Havendo inclusive a necessidade de cursar uma graduação específica para o desempenho da atividade policial.
Infelizmente, em praias tupiniquins, a idéia não goza de grandes incentivadores, pelo contrário, há, no caso das polícias militares, quem defenda a exigência da formação em Direito para oficiais, simultânea à redução do respectivo curso de formação. Inclusive, é bastante emblemático que em 2008 na Universidade Federal Fluminense, diversos alunos, sobretudo de ciências humanas, protestaram contra a criação de uma graduação em Segurança Pública. Inclusive, no protesto, havia diversas faixas com os dizeres “A universidade é do povo, polícia não”. Como se fosse possível dicotomizar ser policial de ser cidadão.
Enfim, o fato é que as polícias brasileiras ainda não conseguiram consolidar sua imagem enquanto garantidora dos direitos fundamentais dos cidadãos, mas está caminhando neste sentido. Com erros e acertos, assim como a presente reflexão. Mas uma coisa é fato, é imprescindível para a democracia que as polícias se fortaleçam, tal e qual aconteceu com o Ministério Público após a Constituição de 1988, para que chequemos ao tempo em que todos sejam de fato iguais perante a lei. Abolindo-se de vez a possibilidade de aposentadoria remunerada ou a renúncia de mandato ser usada como punição mais grave dentre as aplicadas de fato, para os crimes cometidos por integrantes de determinados grupos. E que as delegacias não queiram se transformar em fóruns em miniatura ou as instituições policiais se descaracterizarem por completo para serem devidamente reconhecidas e respeitadas.
Desde 1871 que a Justiça e Polícia estão separadas no modelo punitivo pátrio. Se até então faziam parte da mesma organização, hoje, fora dos polidos discursos dos salões, acumulam-se dificuldades de entendimento entre ambas, por motivos os mais diversos. É de se perceber o quanto este processo se adéqua ao processo de assepsia institucional que viveu o Judiciário, passando pela total desvinculação da operacionalização da aplicação da pena, hoje afeta às secretarias de justiça vinculadas ao Poder Executivo, cabendo-lhes apenas as nobres funções superiores.
E, como consequência direta desse processo, os integrantes do Judiciário gozam de um respaldo social ímpar. São unanimemente amados e temidos, simultaneamente. Ao passo de não gerar significativo clamor o fato de que, na prática, a maior punição real aplicada à maioria dos magistrados que eventualmente se envolvem em eufemísticos “desvios de conduta” seja a aposentadoria.
Mas, você pode estar se perguntando, qual a relação disto com assunto de polícia, já que este é um texto escrito por um integrante da polícia civil sergipana? Ocorre que, paulatinamente, conforme as instituições judiciais foram, meritoriamente, restringindo-se à parte mais nobre da aplicação da “justiça”, outras entidades passaram a ter que abarcar o chamado “serviço sujo”. Seja o de investigar e registrar por meio do Inquérito Policial (resquício do tempo em que a Justiça e a Polícia eram uma coisa só), seja o de custodiar em ambientes fétidos àqueles que no espaço imponente dos tribunais, receberam ou ainda receberão a definição a ser cumprida.
Assim, ao passo que se assistiu ao enobrecimento dos órgãos judiciais, viu-se deteriorar-se a imagem das instituições policiais. O que é natural, já que são elas que sujam as mãos. E viu-se mais, viu-se serem-lhes imputadas atribuições para as quais não possuem qualquer respaldo, tanto legal como técnico. Hoje, não causa estranheza à imprensa, à sociedade, ao Ministério Público ou mesmo à Procuradoria do Estado o fato de um delegado sergipano ter que ser desviado da sua função de proteger à sociedade para atuar como chefe de segurança no Judiciário.
É isso mesmo. Um delegado, pago e vocacionado para a presidência de inquéritos que visem garantir à condenação de criminosos é, com base em lei estadual, nomeado para cargo em comissão voltado para a segurança do Tribunal de Justiça. Ou seja, uma função para a qual seu treinamento é totalmente inócuo. Mas a visão, inclusive para o senso comum, é de que a polícia é subordinada ao Judiciário. Daí ser comum que policiais civis sejam intimados à revelia da forma legal, ou que delegacias recebam determinações para localizar e intimar pessoas para audiências judiciais, o que só para constar, é atribuição do oficial de justiça.
Mas se não tem oficial de justiça, manda um policial. Se não tem carceragens o suficiente, empurra os presos para as delegacias. Se não tem estrutura, mero detalhe. Afinal é o Estado mesmo quem é condenado por não fornecer a alimentação para os presos de delegacias. O que, diga-se de passagem, é possível constatar em rápida consulta jurisprudencial dos acórdãos do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Ou seja, a Polícia Civil, que não recebe nem um centavo do Fundo Penitenciário Nacional, é responsável por custodiar centenas de presos, comprometendo assim sua receita, estrutura física e de pessoal ao ter que direcioná-la para o atendimento de uma demanda que tão somente lhe rende ônus. Sem falar que é relativamente comum, sobretudo no interior, que pessoas sejam condenadas às penas alternativas, e em alguns casos mais raros ao regime aberto, e o cumprimento da pena se dê em uma delegacia. E os poucos que recorreram, não tiveram sucesso já que há farta jurisprudência estadual no sentido de que não há problema algum nesta situação.
Sei que a primeira impressão de quem quer que esteja lendo é de que se está afrontando à magnanimidade do Judiciário. Normal, não há uma cultura de críticas, que o diga a polícia, cotidianamente tão carente de capacidade de autocrítica. Não se quer minorar a relevância social do magistrado, pelo contrário. A questão aqui é outra. É demonstrar que a descrença do aparato policial faz parte de uma construção histórica, da qual nem os juízes, nem os policiais tem culpa, mas que por estarem inseridos tem por obrigação terem uma visão crítica à respeito.
A imagem pejorativa da polícia não decorre da relação que o senso comum faz entre ela e a famigerada “Ditadura Militar”, até porque, o que não faltou para ela foi o apoio de integrantes de todas as categorias sociais. Ela é, como já dito e repetido, uma construção histórica. Uma barreira que tem tido como consequência direta o que alguns chamam de “judicialização do modelo policial”. Algo bastante diverso do que ocorre em países como os Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros onde a formação policial é específica. Ou seja, o conhecimento jurídico é tratado como ferramenta importante, mas não a mais importante. Havendo inclusive a necessidade de cursar uma graduação específica para o desempenho da atividade policial.
Infelizmente, em praias tupiniquins, a idéia não goza de grandes incentivadores, pelo contrário, há, no caso das polícias militares, quem defenda a exigência da formação em Direito para oficiais, simultânea à redução do respectivo curso de formação. Inclusive, é bastante emblemático que em 2008 na Universidade Federal Fluminense, diversos alunos, sobretudo de ciências humanas, protestaram contra a criação de uma graduação em Segurança Pública. Inclusive, no protesto, havia diversas faixas com os dizeres “A universidade é do povo, polícia não”. Como se fosse possível dicotomizar ser policial de ser cidadão.
Enfim, o fato é que as polícias brasileiras ainda não conseguiram consolidar sua imagem enquanto garantidora dos direitos fundamentais dos cidadãos, mas está caminhando neste sentido. Com erros e acertos, assim como a presente reflexão. Mas uma coisa é fato, é imprescindível para a democracia que as polícias se fortaleçam, tal e qual aconteceu com o Ministério Público após a Constituição de 1988, para que chequemos ao tempo em que todos sejam de fato iguais perante a lei. Abolindo-se de vez a possibilidade de aposentadoria remunerada ou a renúncia de mandato ser usada como punição mais grave dentre as aplicadas de fato, para os crimes cometidos por integrantes de determinados grupos. E que as delegacias não queiram se transformar em fóruns em miniatura ou as instituições policiais se descaracterizarem por completo para serem devidamente reconhecidas e respeitadas.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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