segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Resposta do candidato Guilherme Boulos aos questionamentos da Anaspra



1- Resumidamente, qual o seu plano para a segurança pública nacional, em que pese a articulação da União com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios? Nesse sentido, qual a sua posição sobre o ciclo completo de polícia?

Segurança pública não pode ser reduzida à questão policial, embora essa dimensão seja muito importante. Essa visão reducionista que tem embasado o plano de segurança nacional, além de sobrecarregar nossas polícias com um fardo superior às suas possibilidades, não funciona.

Enquanto nossa sociedade for marcada por desigualdades e injustiças sociais, não haverá força policial ou planos de segurança, por melhores e bem elaborados que sejam, que consigam reduzir a violência sem violar direitos. Uma segurança pública fundada na garantia e promoção da dignidade humana só será possível em um plano mais amplo de combate às desigualdades sociais e aos privilégios. É essa visão intersetorial que trazemos em nosso programa.

Mas, para além disso, nosso plano prevê medidas mais específicas para essa área. Vamos desmilitarizar a política de segurança em dois sentidos: primeiro, acabar com a metáfora da guerra que tem dominado o debate e as ações policiais nos últimos anos; segundo, reformar o modelo policial brasileiro com a criação de um ciclo completo, único e civil. Assim, as forças policiais terão como função a vigilância e investigação criminal, seguindo as mais bem-sucedidas experiências internacionais.

Isso implica em uma mudança na formação de todas as forças policiais, pois mesmo as polícias civis, que cumprem um estatuto civil, têm operado na lógica do belicismo, que compreende o criminoso como um inimigo de guerra, violando diversos direitos. É por isso que hoje, nossa polícia é uma das que mais morre e mais mata.

O modelo civil implica em incluir na formação dos agentes temas de direitos humanos e respeito às minorias, mas também em focar o trabalho policial na prevenção, inteligência e no uso qualificado da força e não mais em ações policiais violentas, repressoras que tem como resultado a morte, sobretudo, de jovens negros, pobres e de periferias. Por isso, vamos investir em sistemas de informação, indicadores e metas para planejar, monitorar e orientar a atuação policial, verificando sua qualidade e efetividade. Nossa grande tragédia tem sido agir sem planejamento e sem arquitetura institucional adequada, desconsiderando a relevância dos dados e uma estrutura de governança apropriada.

É preciso dotar o governo federal de um órgão de reunião, análise e monitoramento de dados sobre segurança, além de criar um serviço de inteligência especificamente voltado para a criminalidade organizada, nacional e transnacional. Temos consciência da complexidade dessa proposta, que precisará ser construída junto com as polícias em um processo de discussão e escuta ao invés de imposição.

2- De que forma a União pode contribuir para a construção de uma política salarial para os servidores estaduais da segurança pública, bem como para a fixação de uma jornada de trabalho de 40 horas semanais?

Aqui temos uma questão complexa, em razão da autonomia dos entes federativos. No entanto, existem mecanismos previstos na legislação para uma atuação maior da União no sentido de induzir a adoção de de políticas salariais mais justas para os servidores estaduais da segurança, bem como para o estabelecimento de uma carga horária de trabalho semanal, a fim de superar o abismo salarial entre as carreiras.

Para nós, é central que a valorização de nossos trabalhadores de segurança pública passe também pela redefinição do papel desses servidores. O discurso do “bandido bom é bandido morto” encobre, na verdade, um profundo e total desprezo não só pelos direitos humanos, mas também pela condição do policial. É uma total desconsideração por sua integridade física, psíquica e moral que reflete no fato de termos hoje, uma das polícias que mais mata e mais morre no mundo. A redução da letalidade é peça chave nesse sentido.

Uma polícia respeitada, que atua seguindo uma política claramente estabelecida e definida, com profissionais bem remunerados, assistidos em suas necessidades é o caminho para uma polícia comprometida com a democracia e com os direitos humanos.

3- Vossa senhoria acha viável e se comprometeria, se eleito, a instituir a vinculação constitucional de recursos para a segurança pública, tal como ocorre nas áreas de saúde e educação?

A União precisa ter autoridade para formular e aplicar uma política nacional de segurança pública em conjunto com os governos locais. A unificação das polícias em um único ciclo completo de atuação irá favorecer essa colaboração, que é de fundamental importância para a investigação, inteligência e prevenção.

Mas entendemos que há setores que vêem a vinculação de receitas como fundamental, sobretudo no sentido de aumentar os gastos com inteligência,  investimentos em recursos materiais, na qualificação dos servidores, e na saúde física e psíquica de nossos policiais. Portanto, defendemos um debate mais amplo e plural sobre o tema.

4- Qual a sua posição sobre o fim dos regulamentos disciplinares e a instituição de códigos de ética nas instituições militares estaduais e a desvinculação dos Corpos de Bombeiro Militares?

Não podemos abrir mão de um regulamento disciplinar ou de um código de ética, considerando a natureza do trabalho policial, mas é preciso rever a existência de regulamentos draconianos e o amplo poder discricionário atribuído aos oficiais comandantes. Por meio das competências legislativas da União, vamos interferir nesse aspecto com o objetivo de humanizar a prática e garantir respeito aos policiais.

Outro aspecto fundamental é o papel do Ministério Público no controle da atividade policial. Entendemos que esse papel atribuído pela CR/88 tem sido desempenhado de modo tímido pela Instituição. Nos comprometemos em promover um esforço político, a fim de movimentar o Ministério Público para tornar essa atribuição uma conquista efetiva da sociedade.

O tema dos Corpos de Bombeiro Militares é idêntico ao das Polícias Militares. A natureza dessas funções é civil e cada instituição possui uma atribuição específica de modo que defendemos um novo modelo desmilitarizado de segurança pública e de defesa social.

5-  O projeto de Lei da Câmara n 148, que põe fim à pena de restrição da liberdade (prisão administrativa), está pronto para ser votado definitivamente pelo Senado Federal. Qual a sua posição sobre o mérito da matéria. E, se eleito, colocaria a força do governo, da sua liderança no Congresso e de sua bancada de apoio para fazer aprovar o projeto de Lei?

Somos amplamente favoráveis ao fim da prisão administrativa para policiais militares e bombeiros militares, porque segundo a nossa concepção a natureza dessas atividades é civil. Como dito anteriormente, nosso objetivo é exercer as competências privativas da União no sentido de legislar sobre essas corporações e nessa perspectiva acabar com as prisões disciplinares, criando dispositivos disciplinares mais adequados ao trabalho policial e de defesa social.

É possível criar um processo administrativo-disciplinar que permita apuração com celeridade e garantias constitucionais aos acusados, sem passar pela prisão administrativa. Eleitos, não apenas faremos isso, como também iremos nos colocar do lado de qualquer iniciativa parlamentar que venha contribuir para a promoção da dignidade e do respeito à condição de trabalhadores dos nossos agentes policiais.

6- O projeto de Lei n 6886/2017, cujo texto solicita a inclusão do Espírito Santo na Lei Federal n 12.505/2011, que concede anistia a militares estaduais, está pronto para ser votado no Plenário da Câmara. Qual a sua posição sobre o mérito da matéria. E, se eleito, colocaria a força do governo, da sua liderança no Congresso e de sua bancada de apoio par fazer aprovar o projeto de lei?

Nós acompanhamos o movimento dos policiais militares do Espírito Santo, em fevereiro de 2017. Entendemos que esse movimento foi fruto da omissão de vários governos com esses servidores, que, de um modo geral, tem sido a regra nos estados da federação. Entendemos que muito desse descaso está relacionado ao modelo militarizado de nossa polícia, pois restringe direitos e impõem obrigações. Defendemos um modelo civil para as nossas polícias, que permitiria mais direitos para nossa população, mas também para nossos policiais, a começar pelo direito à voz. Assim, estaremos empenhados em fazer com que aqueles militares tenham o direito à anistia na forma da legislação, empenhando nosso governo e nossa bancada nesse sentido.

7- Qual o seu projeto voltado para a Força Nacional e para a Rede Nacional de Educação à Distância para a Segurança Pública (Red EaD)?

Nós entendemos que é relevante ter uma força pública à disposição da União para socorrer os estados membros, quando os recursos disponíveis nos estados se revelem insuficientes, precedendo o emprego das Forças Armadas na Garantia de Lei e Ordem (GLO), que lamentavelmente no Brasil tem se tornado a regra nos últimos anos. O modelo atual, porém, é frágil e, a bem de ver, sem previsão na Constituição da República. O modelo atual, é bom lembrar, foi criado como um programa de treinamento e cooperação entre os estados e a união federal. Pouco ou quase nada adianta a um estado ceder membros para a Força Nacional sem qualquer compensação efetiva por parte da União.

O emprego da Força Nacional, por outro lado, precisa cumprir um plano mais articulado entre União e estado membro. O que ocorre hoje é que Força Nacional vem sendo utilizada, a um custo muito elevado e tal como a GLO, muito mais para “apagar incêndios” do que para cumprir objetivos e metas traçadas a partir de um plano concebido anteriormente.

Nós acreditamos que seja muito mais coerente apostar na consolidação de uma nova governança para a segurança pública, avançando no Sistema Único de Segurança Pública e reforçando as polícias federais e estaduais, do que insistir num programa precário e sem amparo na Constituição. Quanto ao ensino à distância, entendemos fundamental que a União assuma um papel de destaque na formação e na qualificação dos nossos policiais. Entendemos mesmo que esse é, como destacamos anteriormente, um dos papéis fundamentais da União.

Assim sendo, pensamos em criar uma Escola Nacional de Segurança Pública que se encarrega da produção de conhecimentos nessa área e na formação e na difusão de doutrina acerca do tema para todo o Brasil. O ensino à distância, considerando as dimensões continentais de nosso país, não poderá ser desconsiderado.

8- Se eleito vai reativar o Conselho Nacional de Segurança Pública, ou o colegiado vai ficar paralisado como está no atual governo?

O Conselho Nacional de Segurança Pública foi reativado em fevereiro de 2017, mas é preciso que se torne um espaço plural de participação popular com movimentos sociais e organizações não governamentais. Como já tivemos oportunidade de sustentar anteriormente, nossa compreensão de segurança passa pela articulação comunitária e pela participação da sociedade no acompanhamento e na formulação das políticas de segurança.

9- Qual a sua posição sobre a inclusão dos militares federais e dos policiais e bombeiros militares estaduais na reforma da previdência?

Somos contra a reforma da previdência nos moldes estabelecidos pelo governo Temer. Nenhum trabalhador pode aposentar no caixão; esse é um direito duramente conquistado e que deve ser mantido. Nosso governo tem como principal compromisso o combate às desigualdades e o enfrentamento de privilégios. Por isso, ao invés de reforma da previdência, faremos uma reforma tributária progressiva, para que rico comece a pagar imposto no Brasil.

Entendemos que os militares federais e os policiais integram categorias especiais por conta da singularidade das atribuições que cumprem, razão pela qual achamos justa a existência de regras diferenciadas. Precisamos, contudo, discutir o alcance dessas regras, para que elas não sejam onerosas para com os demais contribuintes do sistema, afinal o nosso modelo é o da solidariedade entre as gerações. Mas, por princípio, nos comprometemos a não retirar nenhum direito já conquistado pelos trabalhadores e nos comprometemos também a enfrentarmos juntos o desafio da reforma previdenciária, sem impor nada de cima para baixo, conforme tem sido a regra de muitos governos.

Entendemos, conforme já o dissemos, que a segurança pública no Brasil precisa de reformas urgentes, e para isso não podemos prescindir da parceria dos nossos policiais na construção de alternativas para o atual cenário. 

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