Mostrando postagens com marcador paulo stonari. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador paulo stonari. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Banalização da morte de policiais preocupa, dizem especialistas

Sem autoridades ou pêsames oficiais, o sepultamento do PM reformado Carlos Magno Sacramento, 60º policial morto no Rio este ano, aconteceu na última terça-feira apenas com a presença de parentes e alguns colegas de farda. Um dia antes, o presidente Barack Obama e seu antecessor, George W. Bush, fizeram homenagens a cinco policiais mortos em Dallas, nos EUA. O contraste reflete um fenômeno cada vez mais preocupante, segundo especialistas, de banalização de crimes contra agentes de segurança pública. Para eles, perde a sociedade como um todo. Neste sábado, a estatística mudou: o soldado Carlos Eduardo dos Santos Mira, de 33 anos, foi baleado num confronto com bandidos numa favela em Niterói. Agora são 61 policiais mortos.

Segundo o sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é como se essas mortes fossem inerentes a um processo, aceitáveis numa suposta guerra particular. Uma naturalidade, diz ele, que já recaía sobre o assassinato de jovens negros e pardos nas favelas e periferias da cidade.

- No fundo, a sociedade entende que algumas pessoas podem morrer. Está na conta dessa guerra, desde que não atinja grupos com protagonismo. Do contrário, vai se resignar e dizer que essa é a história do país. Quase todos os gestores repetem que estamos vivendo um faroeste. A verdade é que o Estado brasileiro está deixando matar e morrer, e a vida do policial, grande parte também negra e vivendo nas periferias, parece ter menos valor - diz o sociólogo.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum, 2013 e 2014 registraram, respectivamente, 104 e 98 mortes de policiais no Estado do Rio - a maioria PMs. Se no segundo semestre de 2016 a frequência de assassinatos seguir o ritmo do início do ano, a estatística de mortes de agentes da lei deve superar a desses dois anos.

Percepção do Valor Social

No caso de Carlos Magno, a PM informou que o subtenente foi morto numa tentativa de assalto num bar do bairro Apolo III, em Itaboraí. Em Dallas, os agentes foram alvejados numa emboscada durante uma manifestação contra o racismo. Aqui, conta a filha de Carlos Magno, Karina Vianna de Sacramento Terra, a família custeou o enterro do PM e não recebeu sequer uma nota de pesar de uma autoridade.

- Ninguém nos procurou. Depois de 30 anos na ativa, há dois meu pai estava aposentado e complementava a renda como segurança. Foi uma vida inteira servindo à corporação e, agora, não teve retorno algum, nem uma nota lamentando sua morte - ressente-se Karina.

Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidade da Universidade Candido Mendes, a cientista social Sílvia Ramos chama de "omissão política declarada" esse silêncio do comando da PM, da Secretaria de Segurança e do governo diante da repetição de casos como o de Carlos Magno. Ela lembra que, nos EUA, além da presença de Obama e Bush nos funerais dos policiais, é rotina prefeitos e governadores acompanharem sepultamentos de agentes de segurança mortos em serviço.

- Não temos ouvido uma palavra do comandante-geral da PM (coronel Edison Duarte), nem com respostas técnicas nem lamentando as mortes. Às vezes, nem os comandantes de batalhões comparecem aos enterros. Principalmente quando um policial morre praticando aquilo que a sociedade delegou a ele, que é o uso da força, é muito grave - diz Sílvia, acrescentando que a questão social influencia na forma com que encaramos a morte, o que explica a maior comoção quando a vítima é de classe média. - Parece que faz parte do dia a dia do trabalho policial. Da mesma forma, não nos chocamos com três mortos por bala perdida no Complexo do Alemão. A cidade não se mobiliza.

O músico Marcelo Yuka, baleado ao tentar evitar um assalto na Tijuca no ano 2000, por sua vez, pondera que a falta de reação social pode estar associada a um medo da população em relação à polícia. Para ele, falta mobilização também das forças de segurança e dos governos quando um jovem é morto numa ação policial:

- Ao mesmo tempo, é preciso que a polícia se veja como parte da sociedade, não como uma elite. E, como tal, classe média pobre, mais perto daqueles que ela oprime do que daqueles que a mandam oprimir. Tudo faz parte de um grande abandono humano, em que a vida não vale nada.

Ex-comandante do Bope, o antropólogo Paulo Storani concorda que os policiais estão sendo vítimas de uma crescente violência nas ruas que atinge a população de modo geral. Ele aponta uma série de fatores para essa situação. Entre eles, a falta de planejamento em segurança pública e a deficiência do sistema de formação policial. No entanto, ele defende que há uma campanha sistemática de desqualificação dos serviços públicos, entre eles, o da polícia.

- É desenvolvida a mentalidade de que a polícia mata, causando um afastamento do cidadão. Achamos que o policial tem obrigação de fazer aquilo e tem que arcar com o ônus da profissão, que seria morrer. Não é por aí - observa.

"Policial é descarte"

Já o coronel reformado Fernando Belo, presidente da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio, ressalva que, como parte da sociedade, a polícia também comete erros. Mas esses equívocos, argumenta, não representam a maior parte das ações da PM:

- Enquanto o presidente dos EUA suspendeu compromissos para ir ao funeral, aqui ninguém vai ao enterro, sequer manda um telegrama à família ou telefona. O policial é visto como um descarte. Se morrer, tira a roupa dele, põe em outro, toca a corneta, canta o hino da PM e enterra. É um desprezo, um descaso.

Fonte: Extra O Globo

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Novo Código Penal terá crime específico para punir milicianos

Considerado por especialistas um dos grandes problemas da segurança pública no Rio nesta década, o crime de milícia será incluído no Código Penal. É o que propõe a subcomissão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, criada para debater e propor uma revisão do código. Hoje, quem comete o delito responde a diversos crimes, como extorsão. Com a mudança, será julgado ainda pelo de milícia. O secretário de Estado de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, ressalta a importância da tipificação do crime de milícia.

- Se o crime estiver tipificado no Código Penal, vai facilitar e agilizar muito a investigação policial e viabilizar a prisão de mais milicianos - opina. Para o deputado federal Alessandro Molon (PT), relator da subcomissão da Câmara, a realidade do Rio, com a expansão das milícias, mostra a gravidade do crime e a necessidade de puni-lo de forma mais dura.

- É preciso dar instrumentos aos judiciário que possibilitem respostas à altura do delito, que inclui uma série de elementos que o tornam grave, como a participação de agentes do estado. Paulo Storani, consultor de segurança e ex-capitão do Bope, não acredita que o simples endurecimento da lei vá resolver o problema, agravado nos últimos anos com o enfraquecimento do narcotráfico.

- Mais uma vez, queremos solucionar uma questão tão complexa com a caneta. A inclusão no código vai ajudar, mas precisaria estar inserida numa política pública mais abrangente - opina. A postura de criminalização da milícia se repete com o jogo do bicho, hoje apenas uma contravenção penal, infração considerada crime de menor gravidade. O bicho também entrará no código.

Outras mudanças previstas

Homicídio - Para os crimes de homicídio, as penas vão ficar mais duras. No simples, a subcomissão estuda aumento das penas mínima, que hoje é de seis anos, e máxima, de 20. Para o qualificado, será modificada apenas a pena mínima, de 12 anos.

Preconceito - O homicídio cometido por preconceito deixa de ser simples e passa a ser qualificado, independentemente do tipo de discriminação que tenha motivado o delito.

Trabalho escravo - Hoje com pena de dois a oito anos de prisão, é crime que terá punição endurecida.

Latrocínio - Crime contra o patrimônio e com uso da violência, poderá ter pena, que hoje é de 20 a 30 anos, aumentada.

Crimes contra a honra - Quem cometer injúria, calúnia e difamação num meio em que a repercussão possa ser potencializada (como internet, ou mesmo jornal), também poderá ficar mais tempo atrás das grades.

Corrupção - A subcomissão já dá como certo o aumento da pena para os funcionários púbicos que cometerem o delito. Além disso, defendem que o crime possa ser caracterizado se o aumento do patrimônio for incompatível com a renda e o acusado não conseguir comprovar a origem legal dos recursos. 

Fonte: Extra/Blog da Renata

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A controversa desmilitarização das polícias

Tema mais discutido no fórum virtual do portal da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª Conseg) nos meses que antecederam o evento em agosto, a desmilitarização das polícias prometia -e rendeu - debates acirrados. O resultado foi a aprovação de duas diretrizes que propõem a desmilitarização:

12. 2.19 A - Realizar a transição da segurança pública para atividade eminentemente civil; desmilitarizar as polícias; desvincular a polícia e corpos de bombeiros das forças armadas; rever regulamentos e procedimentos disciplinares; garantir livre associação sindical, direito de greve e filiação político-partidária; criar código de ética único, respeitando a hierarquia, a disciplina e os direitos humanos; submeter irregularidades dos profissionais militares à justiça comum. (508 votos)

18. 3.2. A - Criar e implantar carreira única para os profissionais de segurança pública, desmilitarizada com formação acadêmica superior e especialização com plano de cargos e salários em nível nacional, efetivando a progressão vertical e horizontal na carreira funcional. (331 VOTOS)

Apesar de a palavra "desmilitarizar" aparecer claramente no texto, o conceito por trás dela tem diferentes interpretações. A indefinição do termo e do que deveria ocorrer com as polícias militares do ponto de vista estrutural com a desmilitarização deixam a questão em aberto.

Avanço democrático

Para o professor José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a desmilitarização das polícias pode constituir importante avanço no plano da construção democrática de políticas públicas de segurança no país.

Ele explica que desmilitarização não implica, necessariamente, em unificação das polícias estaduais ou mesmo em extinção das polícias militares. "Isto está fora de cogitação, entre outros motivos, por ser absolutamente implausível nos cenários políticos de curto e médio prazo", observa.

De acordo com Ratton, as vantagens da desmilitarização progressiva são várias: descentralizar o trabalho das PMs, facilitando a integração com as polícias civis; impulsionar a inovação organizacional, especialmente de modalidades de policiamento adaptadas aos contextos locais, o que muitas vezes é impedido pelos excessivos níveis de comando e centralização da hierarquia militarizada; diminuir as probabilidades de militarização da questão social, dificultando estratégias criminalizadoras da pobreza e dos movimentos sociais na imposição da ordem pública; reduzir as tensões entre oficialato e tropa, favorecendo a construção de perfis e estratégias agregadoras nas organizações policiais, o que aumentaria a eficácia coletiva das polícias e das políticas públicas de segurança.

Para o delegado Vinicius George, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a desmilitarização das polícias é um passo imprescindível para a consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito no país. A seu ver, a militarização histórica do aparelho de segurança pública representa um equívoco filosófico, ideológico, metodológico e de finalidade, já que introjeta uma lógica de guerra no aparelho policial.

"Quartéis, destruição de inimigo, invasão e ocupação de territórios, justiça militar são incompatíveis com a atividade policial, que deve ser marcada pela lógica da cidadania. Polícia deve ser cidadão controlando cidadão, trabalhador controlando trabalhador, de forma legal e legítima, dentro do pacto social, antes de tudo prevenindo os crimes pelo policiamento ostensivo. E quando isto não for possível, deve-se investigar, prender e apresentar os autores da violência à Justiça. A repressão, quando necessária, deve ser feita de forma qualificada, dentro da técnica policial, e não militar", afirma.

Falta definição

Paulo Storani, Secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, reclama da falta de definição do que seria a desmilitarização.

"Seria acabar com a hierarquia militar? Com a farda? Com as demonstrações típicas de militares, como continências, ordem unida e toque de corneta? Usam o termo, mas ninguém define o que é", questiona Storani, que é professor da Universidade Candido Mendes.

Para ele, a proposta de desmilitarização aprovada na Conseg resulta da articulação de uma corrente das polícias civis dos estados. "Foi plantado um conceito em que todos os males da PM viriam do fato de ela ser militar. Mesmo desmilitarizada, a PM não deixaria de fazer o que já faz. Isso parece mais um pano de fundo para a institucionalização de uma Polícia Civil uniformizada", provoca.

O professor acrescenta que os princípios e diretrizes aprovados na Conseg são vagos e contraditórios entre si, não deixando claro se a Constituição seria modificada para poder contemplar uma nova definição das polícias militares.

Um dos princípios aprovados na Conferência -o segundo mais votado, com 455 votos - recomenda "a manutenção da previsão constitucional vigente dos órgãos da área, conforme artigo 144 da Constituição Federal". Para Storani, se desmilitarizar a PM significar a desvinculação das Forças Armadas e a vinculação ao Ministério da Justiça, "ótimo".

Estética militar para atingir objetivos

De acordo com o coronel Laercio Giovani Macambira Marques, ex-comandante geral da Polícia Militar do Ceará, um erro cometido por muitos que defendem a desmilitarização é não diferenciar a estética militar da missão institucional.

Segundo ele, a estética militar é uma ferramenta que objetiva facilitar a manutenção de uma hierarquia e de uma disciplina rígidas, segundo ele, "fundamentos essenciais para o exercício do comando de corporações ostensivas, armadas e com poder/dever de constranger outrem até o limite legal e legítimo da matar em defesa do cidadão ou para garantir o pleno funcionamento dos poderes constituídos." O coronel lembra que em todo o mundo, na formação básica de policiais - sejam civis ou militares -, há uma boa fatia de preceitos militares.

"A missão é inerente à razão de ser de uma organização, ou seja, a sua destinação. Tanto as polícias militares quanto as Forças Armadas adotam a mesma estética militar como um estilo de gestão. Não há qualquer incompatibilidade em ambas utilizarem um estilo de gestão comum para atingirem os objetivos de sua missão, estes sim, bastante diferenciados", afirma.

De acordo com o coronel Macambira, as polícias militares do Brasil têm sua vida funcional derivada da cultura organizacional do Exército brasileiro. Ele destaca que esse vínculo foi bastante fortalecido a partir de 1964, quando as polícias estaduais atuaram lado a lado com as Forças Armadas na preservação da segurança nacional. Nesse período, segundo ele, houve uma forte massificação nessas corporações da doutrina do Exército, ministrada nas escolas de formação policial-militar, com ênfase em disciplinas como "guerra revolucionária", "organização de defesa interna e de defesa territorial" e "operações contra guerrilha".

O coronel conta que, com o retorno do país à normalidade democrática, o Exército e as polícias militares se distanciaram. Então, os comandos das polícias militares, sensíveis a essas mudanças, a partir de 1983 reformularam os currículos das escolas de formação e de aperfeiçoamento, buscando adequá-los à nova realidade. Segurança nacional deixou de ser prioridade para essas corporações.

"A preservação da ordem pública e a defesa do cidadão e do patrimônio, em parceria com a sociedade, é a principal missão institucional das polícias militares na nova ordem constitucional, em detrimento da doutrina de guerra", afirma. "O que tem que ficar bastante claro é que na expressão 'polícia militar' o termo militar é secundário e auxiliar do termo principal - polícia - e não o contrário", resume.

Para o coronel, as polícias estaduais precisam de um remodelamento psicológico e das relações interpessoais dos seus integrantes, de forma a fomentar uma mudança comportamental de toda a corporação, com foco no cidadão. "Só assim chegaremos, de fato, a uma polícia cidadã, interativa, comunitária e de proximidade", diz.

"Hoje, as polícias militares devem ser fortes, mas não pelo medo que possam impor, e sim pelo respeito que devam conquistar do cidadão comum e da sociedade como um todo, pela sua eficiência, técnica, agilidade e identificação simbiótica com a sociedade. Isso se traduz em uma polícia inteligente", conclui.

Maioria questiona hierarquia militar

Na pesquisa "O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil", feita pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para subsidiar as discussões da 1ª Conseg, ficou evidente o descontentamento dos profissionais de segurança com a estrutura militarizada.

Dos 64.130 servidores ouvidos - policiais militares, civis, federais e rodoviários, peritos, bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais -60% consideram a vinculação da PM ao Exército inadequada.

Quando perguntados se a hierarquia de sua instituição provoca desrespeito e injustiças profissionais, 65,6% dos consultados responderam que sim. Entre os policiais militares nos postos mais baixos, o índice é maior: 73,3%. Destes profissionais, 81% acreditam haver muito rigor em questões internas e pouco em questões que afetam a segurança pública, e 65,2% acham que há um número excessivo de níveis hierárquicos em sua instituição.

O relatório da consulta destaca que "as PMs não estão organizadas como polícias, mas como pequenos exércitos desviados de função", e que os resultados disso são precariedade no enfrentamento da criminalidade, dificuldade para exercer controle interno, implicando em elevadas taxas de corrupção, e frequente insensibilidade no relacionamento com os cidadãos.

Autor: Paulo Marcelo Venceslau - Praia Grande(SP) - 08/10/2009

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Entrevista com o Professor Paulo Storani ao portal Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre as milícias

Paulo Storani é mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (2008). Pós-graduado em Administração Pública (2004), em Gestão de Recursos Humanos (2002), ambos pela Fundação Getúlio Vargas - RJ, e Treinamento Físico pela Universidade Gama Filho - RJ (1999). Curso de Operações Especiais, é Mestre de Tiro, possui cursos nos EUA e Israel. Foi Subcomandante do BOPE no Rio de Janeiro e consultor do Filme Tropa de Elite. Atualmente é professor da Universidade Cândido Mendes, pesquisador do Instituto Universitário de Políticas Públicas e Ciências Policiais da Universidade Candido Mendes - RJ e Secretário Municipal de Segurança Pública da Prefeitura de São Gonçalo - RJ.

Leia entrevista com o ex-sub-comandante do Bope e uma das figuras que inspirou o capitão Nascimento, de Tropa de Elite

Ele não para. Quando não está na sede do Viva Rio, no Rio de Janeiro, onde assumiu recentemente a função de coordenador de Segurança Humana, Paulo Storani está em alguma atividade pelo Brasil afora.

O sub-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) – e uma das figuras que inspirou a construção do capitão Roberto Nascimento, personagem representado por Wagner Moura em Tropa de Elite 1 e 2 – é um inquieto. Está sempre “no limite” e usa essa energia para estimular pessoas a se superarem ministrando palestras motivacionais. Entre seus clientes estão empresas privadas e times de futebol.

Mestre em Antropologia Social e professor dos cursos de Pós-Graduação em Segurança Pública da UFRJ, Estácio de Sá e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Paulo Storani já percorreu uma longa trajetória na segurança pública. Foi secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, assessor da Secretaria Rio 2007 para os Jogos Pan-americanos e diretor de Recursos Humanos da Guarda Municipal do Rio de Janeiro.

Conhece bem a realidade do Rio já tendo sentido na pele a violência do tráfico a quem combateu durante os quase cinco em que esteve no Bope. Hoje longe do confronto direto, Storani concorda que o tráfico não é mais a única ameaça à segurança do Rio de Janeiro.

Como mostra o filme Tropa de Elite 2, as milícias, organizações de poder paralelo formadas por policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e integrantes das Forças Armadas, representam um enorme desafio à segurança pública do Rio de Janeiro. “Utilizando práticas de extorsão, os milicianos impõem a sua vontade sobre os moradores das comunidades onde se instalam e passam a ter um controle semelhante ao que o narcotráfico tem em outras regiões”, afirma.

De acordo com um levantamento feito pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Inquéritos Especiais (Draco) da Polícia Civil, de 250 comunidades mapeadas no Rio de Janeiro, mais de 100 são controladas pelas milícias. A corporação fez um mapa das comunidades de acordo com a organização que está presente, seja tráfico ou milícia. Ainda segundo a Polícia Civil, mais de 20% da população – ou 1,2 milhão de pessoas - vivem em favelas dominadas por traficantes de drogas.

As milícias utilizam muitas vezes ações tão ou mais violentas do que os narcotraficantes para manter seu domínio. “Os milicianos lançam mão do terror para implantar o medo e controlar as pessoas. É só ver a forma violenta que eles tratam aquelas pessoas que denunciam e que se posicionam contrárias à presença deles. As milícias dominam pelo medo”, completa. Como diria o capitão Nascimento, “o inimigo agora é outro”.

Como surgiu o conceito de milícia?

O conceito de milícia surgiu inicialmente em Rio da Pedras quando a própria comunidade se rebelou contra o narcotráfico que começou a se desenvolver e se implantar ali.

Estamos falando dos anos 1992/93, quando foram construídos conjuntos habitacionais populares na zona oeste do Rio de Janeiro e parte das casas foram ocupadas por policiais, bombeiros, agentes penitenciários e policiais civis. Quando o narcotráfico começou a buscar esse espaço para se implantar, esses policiais se uniram aos outros servidores públicos e criaram um patrulhamento local para evitar a ocupação daquele espaço pelos traficantes (o que o ex-prefeito César Maia chamou de auto-defesas comunitárias).

Na medida em que eles foram se estruturando, viram a necessidade de obter recursos para manter aquele tipo de atividade e acharam por bem começar a explorar determinadas atividades comerciais na comunidade como cobrar pela segurança, butijão de gás, e foi evoluindo para gatonet, controle do transporte alternativo, mototaxi.


E como isso chegou ao ponto em que se encontra hoje?

Os grupos começaram a cobrar essas taxas para se estruturar só que, em razão da dimensão das comunidades em termos de população, acabaram tendo muito recurso e isso traz um empoderamento muito grande. Esses grupos acabaram intervindo também nas relações sociais da comunidade estabelecendo um padrão e isso é uma forma de imposição.

A cobrança de qualquer taxa é uma forma de extorsão, no mínimo um constrangimento legal, que é crime, e começaram a impor a sua vontade e começaram a ter um controle semelhante ao que o narcotráfico tem em outras regiões.


Tropa de Elite 2 dá a entender que a ação da polícia em limpar as favelas cariocas do domínio do tráfico contribuiu para a instalação das milícias. Aconteceu assim ou as milícias já estavam presentes em algumas comunidades há mais tempo?

Não houve essa intenção, foi talvez um princípio de oportunidade, mas não teve uma relação direta. A ação da polícia em expulsar o tráfico e as milícias se instalarem não é uma regra, a mobilização de policiais para invadir determinadas favelas e tomar o poder do narcotráfico, se eles já não eram moradores, começou de cinco ou seis anos pra cá.


E o Estado não se deu conta do movimento de milicianos antes?

O Estado, inicialmente, e o poder público, de uma maneira geral, viram isso como um benefício porque partiram do pressuposto que eram moradores, policiais e bombeiros que estavam se mobilizando para proteger a própria comunidade. Então alguns políticos até apoiaram esse tipo de ação, às vezes dando apoio só em termos de discurso, outras vezes exercendo influência política. Como já foi provado pela CPI (das Milícias), já tivemos alguns políticos presos porque eles não só apoiavam politicamente como recebiam recursos financeiros da milícia para financiamento de campanhas e de centros comunitários em comunidades se tornaram currais eleitorais.


Em quais comunidades a milícia está presente hoje no Rio?

Elas estão presentes principalmente na Zona Oeste e Zona Norte. Na região que engloba Jacarepaguá, Recreio, Campinho e Vargem Grande, por exemplo, das cerca de 40 comunidades mapeadas pela Polícia Civil, apenas uma não é dominada pela milícia. Na Zona Norte, pelo menos 16 comunidades estão sob o poder dos milicianos. Em toda a Zona Oeste, de acordo com o levantamento da Polícia Civil, mais de 70 comunidades são dominadas pelas milícias.


Esse é um movimento típico do Rio ou acontece em outros estados?

Há notícias que em outros estados existam movimentos semelhantes, mas talvez não no mesmo modelo das milícias aqui do Rio de Janeiro, mas estão começando a surgir principalmente no Nordeste


Porque as UPPs só estão presentes em comunidades que estão sob poder do tráfico e não das milícias?

Na verdade tem uma UPP que está presente em comunidade onde havia milícia, que é a do Batan, na Zona Norte. Mas não podemos achar que foi por conta de um planejamento da Secretaria de Segurança. Na época houve um episódio em que três repórteres de um jornal do Rio foram sequestrados e torturados por milicianos, o que pode levar a entender que teria sido uma resposta do poder público a esse crime.


E existe a possibilidade de se instalarem UPPs em comunidades dominadas pela milícia?

Segundo a Secretaria de Segurança Pública sim, mas o que se vê é que pela forma com que estão sendo ocupadas determinadas comunidades, são aquelas na Zona Sul ou próximas à Zona Sul, e que são consideradas comunidades-chave dentro de um contexto de planejamento para a Copa do Mundo e Olimpíadas.

As milícias estão quase que totalmente instaladas na Zona Norte e na Zona Oeste. Se isso vier a acontecer, com certeza vai ser por algum fato determinante ou por pressão da opinião pública, que o governo, como resposta, vai ocupar uma comunidade dominada pela milícia.


Quando o Estado desocupa uma comunidade do domínio do tráfico ou da milícia, pode acontecer de outro grupo tentar assumir o controle local?

Com certeza. O que é muito importante, não acontecer como ocorreu recentemente quando a Polícia Civil prendeu vários milicianos em Piedade, na Zona Norte do Rio, e houve um confronto entre os milicianos remanescentes e a facção criminosa que dominava anteriormente aquela região.

Ou seja, já havia uma situação mesmo que irregular instalada e quando houve a intervenção que era necessária, a mesma teria que ser complementada com uma ocupação pelo poder público. Intervir, enfraquecer, seja uma facção criminosa, seja uma milícia, e retrair, significa permitir que haja conflito naquele espaço e isso significa aumento de risco para aquelas pessoas que habitam naquela região. Então isso tem que ser feito com planejamento para que não ocorram graves conflitos.


Existe a crença de que a população aceita a milícia para se ver livre do domínio do tráfico. Isso é verdade ou um mito?

Na verdade, isso aconteceu no início quando a população circunvizinha às comunidades que viviam sob a égide daquela violência perpetrada pelos traficantes viram naquela condição uma troca favorável, que era a ocupação pela milícia e a saída do narcotráfico.

A milícia ocupando não tem confronto, a não ser que seja o narcotráfico tentando reocupar o local para reaver o controle. Fora isso não vai ter polícia atuando. Eu nunca via até agora troca de tiros entre milicianos e polícia ou a polícia invadindo comunidade ocupada por milícia. Então, diminui o confronto e o que as pessoas querem é paz, mas acabam tendo que pagar o preço por isso.


Mas a milícia tem práticas tão ou mais violentas do que o tráfico...

Na medida em que se tem o domínio da região e se quer implantar o poder, se lança mão do uso do terror como poder para implantar o medo e controlar as pessoas. É só ver a forma violenta que eles grupos de milicianos tratam aquelas pessoas que denunciam e que se posicionam contrárias à presença deles. Então, as milícias dominam pelo medo.


O senhor acha que existe a possibilidade de as UPPs, se não forem bem gerenciadas, dêem origem a novas milícias nas comunidades onde estão instaladas?

Existe essa possibilidade, não que os policiais irão se tornar milicianos, mas se as UPPs saírem ou não forem bem gerenciadas, vai haver uma disputa pelo espaço. Mas a possibilidade de os policiais sendo abandonados como aconteceu com os Destacamentos de Policiamento Ostensivo (DPO), os Postos de Policiamento Comunitário (PPC) e com os Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae), existe a possibilidade de o policial ali naquela região de alguma maneira buscar formas indevidas de sustento explorando e cobrando por determinados serviços na própria comunidade e dominando determinados tipos de atividade econômica.

Por isso, necessariamente, deve haver um acompanhamento constante por parte do poder público da própria ação policial. Enquanto nós tivermos cuidado no processo seletivo do perfil dos policiais que estão ocupando essas comunidades, um treinamento direcionado à prátca de policiamento de proximidade das UPPs e um controle da performance desses policiais ao longo do tempo, não precisamos nos preocupar. Mas, a partir do momento em que esse projeto for enfraquecido ou esquecido pelo governo, existe sim essa possibilidade.


Em entrevista ao Comunidade Segura, o pesquisador Luiz Antonio Machado, do Iuperj, alertou para o perigo de as UPPs serem utilizadas para controle social nas comunidades. O senhor concorda?

Se considerarmos que o policiamento de proximidade que é o modelo de polícia comunitária utilizado nas UPPs, onde o policial convive com a comunidade e as informações vão chegar até os policiais muitas vezes para que eles tomem providência, se nós acharmos que isso é uma forma de controle social, eu tenho que concordar.

Agora, se é controle social em que os policiais são orientados para monitorar a vida das pessoas para intervir em determinadas situações, se isso for uma orientação institucional, que eu acredito que não exista isso, eu acredito que não. Vai depender da maneira como as pessoas definem controle social.


Entrevista realizada pela jornalista Shelley de Botton, do portal Comunidade Segura, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Postagens populares